PSICOLOGIA DE UM VENCIDO poema de Augusto
dos Anjos
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Extraído de: https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2008/03/26/psicologia-de-um-vencido-poema-de-augusto-dos-anjos/
Acesso: 27/03/23 às 21:05Hs.
- Análise -
1ª
estrofe:
"Eu,
filho do carbono e do amoníaco,
Monstro
de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco."
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco."
O
personagem retratado no poema é o próprio eu lírico. No primeiro verso, Augusto
dos Anjos faz referência ao carbono e ao amoníaco, sendo os dois compostos da
atmosfera primitiva que pode ser representada pelo vulcão, que tem em sua
composição CO2, NH3 e H20. O carbono também é abundante no corpo humano, o que
demonstra a intenção do autor em dizer que é filho da matéria simples.
No
segundo verso o autor utiliza a palavra “monstro” no sentido de depreciação a
si mesmo, uma característica comum em seus poemas. No terceiro verso há o
sofrimento gradual, e no verso seguinte o seu sofrimento toma proporções universais.
2ª
estrofe:
"Profundissimamente
hipocondríaco,
Este
ambiente me causa repugnância ...
Sobe-me
à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que
se escapa da boca de um cardíaco."
Nessa
estrofe o autor descreve o ambiente em que ele se encontra, sendo esse um lugar
de dor e sofrimento que lhe causa ânsia e repugnância. Mais uma vez é usada a
fisiologia, uma das marcas registradas de Augusto dos Anjos.
3ª
estrofe:
"Já
o verme – esse operário das ruínas –
Que o
sangue podre das carnificinas
Come,
e à vida em geral declara guerra,"
O
verme pode ser considerado outro “personagem” do poema já que ele representa um
certo tipo de inimigo do eu lírico quando ele “declara guerra à vida”, sendo
essa sua ação.
4ª
estrofe:
"Anda
a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na
frialdade inorgânica da terra."
O
verme espreita os olhos (permite a visão do mundo) do eu lírico e deixa apenas
o cabelo que é constituído de queratina, que é resistente ao tempo e que não
pode ser decomposta pelos vermes.
"A
frialdade inorgânica" é o 'fim' do eu lírico que inicialmente era filho do
carbono (representação da vida) e que agora está em um ambiente inorgânico
(oposto da vida). A parte inorgânica da terra pode ser considerada como um solo
firmado por desgaste das rochas e minerais inorgânicos.
Por
Bruna Lazzarini
Acesso em 27/03/2023 – 21:33Hs.
No
elevador do filho de Deus. De Elisa Lucinda
A
gente tem que morrer tantas vezes durante a vida Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
Bobeou eu tô morrendo
Na minha extrema pulsão
Na minha extrema-unção
Na minha extrema menção
de acordar viva todo dia
Há dores que sinceramente eu não resolvo
sinceramente sucumbo
Há nós que não dissolvo
e me torno moribundo de doer daquele corte
do haver sangramento e forte
que vem no mesmo malote das coisas queridas
Vem dentro dos amores
dentro das perdas de coisas antes possuídas
dentro das alegrias havidas
Há porradas que não tem saída
há um monte de "não era isso que eu queria"
Outro dia, acabei de morrer
depois de uma crise sobre o existencialismo
3º mundo, ideologia e inflação...
E quando penso que não
me vejo ressurgida no banheiro
feito punheteiro de chuveiro
Sem cor, sem fala
nem informática nem cabala
eu era uma espécie de Lázara
poeta ressuscitada
passaporte sem mala
com destino de nada!
A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
ensaiar mil vezes a séria despedida
a morte real do gastamento do corpo
a coisa mal resolvida
daquela morte florida
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
que já to ficando especialista em renascimento
Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
às vezes só porque não foi um bom desfecho
ou porque eu não concordo
Ou uma bela puxada no tapete
ou porque eu mesma me enrolo
Não dá outra: tiro o chinelo...
E dou uma morrida!
Não atendo telefone, campainha...
Fico aí camisolenta em estado de éter
nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
Tô nocauteada, tô morrida!
Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
não tem aquela ansiedade para entrar em cena
É uma espécie de venda
uma espécie de encomenda que a gente faz
pra ter depois ter um produto com maior resistência
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
e fica feito a justiça: cega
Depois acorda bela
corta os cabelos
muda a maquiagem
reinventa modelos
reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?"
E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
de expersona falida:
- Não, tava só deprimida.
Acesso em 27 03 2023, às 21:40Hs
ANÁLISE
Talvez a poesia seja pioneira no setor de “auto-ajuda”, antes de haver
editorialmente este termo. Desde adolescentes colecionamos versinhos de
diversos autores em agendas e, muitas vezes, dizemos deles: “esse verso sou eu!
Parece que ele me conhece!”. Outras vezes um verso salva uma pessoa, noutras,
muda uma vida ou várias. Tenho dedicado minha vida a popularizar o gênero. Como
sabemos, até hierarquicamente o gênero poesia é desprezado. As premiações para
romance e contos, por exemplo, nos mais prestigiados concursos do mundo são
sempre mais avultosas do que os valores para a poesia. Como se pudesse haver
hierarquia entre os gêneros. Acabo de publicar o meu primeiro livro de contos e
pude me ver diante da insististe pergunta afirmativa de variados jornalistas:
“bem agora que você já está escrevendo contos, pretende também chegar até o
romance? “Ora falam como se houvesse uma evolução. Estamos falando da arte da
escrita e cada uma de suas modalidades possui um tecido diferente. Acaso nas
artes plásticas um escultor é melhor do que um pintor? Muitas vezes o cara é um
grande romancista e não foi capaz de um verso; eu não conheço nenhum poema de
Virgínia Woolf, e tão pouco posso dizer que Fernando Pessoa é menor do que
Gabriel Garcia Marques.
Estou dizendo que a poesia sofre de discriminação, preconceito e de desprestígio por parte de livreiros, editores e consequentemente do público a quem não é oferecida está pérola de forma atraente. Ora, se a poesia está na fala das crianças (A lágrima é magoa da água), nos provérbios populares (Quem não vive para servir não serve para viver / O que a gente leva da vida é a vida que a gente leva), nas cartas dos apaixonados (Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure), nas folhinhas dos calendários (Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas), nas letras de música (Se eu quiser falar com Deus tenho folgar os nós das gravatas, dos sapatos, dos anseios, tenho que esquecer a data, tenho que perder a conta, tenho que ter mãos vazias, ter a alma e o corpo nus.), nos sermões religiosos (Não diga a Deus o tamanho dos seus problemas, diga aos seus problemas o tamanho do seu Deus).
Pois bem se ela está em toda parte, por que não vende? Por que é considerada menor? Arrisco em dizer que a gênese dessa dificuldade de circulação da poesia esteja no ensino básico onde a criança é apresentada ao poema e o professor (salvo raras exceções) não sabe lê-lo. Para se ler um poema há uma tendência universal de impostar a voz e se distanciar do tema para priorizar a sua forma. Carrega-se a mão na tinta ao se eleger as rimas no exagero sonoro de exaltá-las, criando assim uma “música” previsível e aprisionante que faz parecerem iguais todos os poemas. Esse jeito formal de tratar o verso quando é dito nos saraus de declamação ou na sala de aula prejudica a comunicação e a transmissão da mensagem que aquele verso traz, além de entediar e muitas vezes fazer adormecer seu público alvo. Na maioria das vezes a forma gráfica desta escrita ilude o leitor e o orador, levando-o a respirar a cada fim de verso atropelando o seu sentido, cortando o fluxo de uma oração, separando o verbo do seu complemento, o adjetivo de seu substantivo, criando uma distância violenta e uma montanha de “non sense” entre a poesia e seu espectador. Vou dar um exemplo no fragmento do poema de Manuel Bandeira:
“Teu corpo de maravilhas
quero possuí-lo no leito
estreito da redondilha.”
Infelizmente, algumas vezes pude assistir esses versos sendo lidos dando uma pausa no “leito”, separando bruscamente o adjetivo “estreito” que dá qualidade ao “leito”, se falado junto. Porém, quando os separamos criamos um discurso doido que suspende qualquer entendimento lógico.
Tenho dedicado minha vida à difusão da poesia em todos os meios de comunicação para todos os públicos e idades. Quando tinha apenas onze anos, minha mãe, percebendo o meu gosto por esta arte já na escola, me levou para estudar declamação. Por sorte a professora era uma mulher especial e foi me dizendo logo que o seu curso era, não de declamação, mas de Interpretação Teatral da Poesia. Eu não entendi logo o que isso significava, mas gostei e essa senhora querida, Maria Filina Sales Sá de Miranda me ensinou a ler o poema contando a sua história, só dando pausas ditadas pelo sentido e não pela forma. Essa escola onde permaneci por seis anos consecutivos e dela só saí para ingressar no teatro, deu um vetor diferencial no tratamento poético para mim. A experiência nos palcos do Brasil e de alguns outros países, me levou a criar a Escola Lucinda de Poesia Viva, cujo lema é “falando poesia sem ser chato”. Este lema nasceu porque quando iniciei meus espetáculos monólogos poéticos no Rio de Janeiro, descobrimos que se colocássemos a palavra poesia nos cartazes de divulgação afastávamos o publico que certamente pensava o que inúmeras vezes verbalizou: “Ah não, monólogo e poesia ainda por cima..., não vou suportar!” Foi preciso então que muita gente testemunhasse que era possível outra forma de experênciar a poesia e ver que meus recitais, ao contrario dos outros, não deixava ninguém dormir na poltrona, para que eu pudesse como hoje estampar a palavra poesia nas peças publicitárias desses espetáculos, sem medo de espantar ninguém. A experiência diversificada durante estes anos falando para auditórios de duas mil pessoas, cinco mil e até quarenta mil me fez concluir que o segredo dessa comunicação está em trazer para a poesia a musicalidade das conversas, digo das conversações cotidianas. Se o poema nasce do cotidiano ele deve ter o seu acento, sua “imperfeição” humaníssima, seus muxoxos, seus naturais gestos que jamais devem ser ensaiados antes. Pois da mesma maneira que quando falamos o texto da nossa vida real, utilizamos nossas mãos e todo nosso corpo como agente de expressão espontânea, assim devemos fazê-lo com os versos, gesticulando sem pensar nisso. Se devolvemos à poesia seu sotaque original, seu desejo de ser compreendida, sua musicalidade informal de conversa, de “charla”, seu dom de comunicação se cumpre e encontra seu alvo. Muita gente me diz que era virgem de poesia antes de conhecer esse modo de dizer, que antes se sentia menor, excluído e incapaz de compreender um poema. A experiência me diz que a culpa raramente é do poema e sim de seus declamadores. Na Escola Lucinda de Poesia Viva costumo dizer aos meus alunos que eles passarão por uma “clínica de desintoxicação” para que se libertem do “vício” de aprisionar o poema numa “música” formal e limitada como se fosse um chato discurso político, que nos acompanha desde criança.
Caí dentro desse assunto tratando este “produto” com iniciativas de multimídia. Explico: ao publicar um livro, também o lanço em forma de espetáculo, de CD e agora de DVD, além de utilizar a televisão e o rádio para dizer poemas a cada entrevista. Essa atitude traz maior circulação e consumo do gênero. Coleciono uma série de exemplos que comprovam, não só a utilidade mas a necessidade da poesia no mundo; me lembro do ano passado durante o Fórum de Cultura em Barcelona quando uma senhora me disse que tinha trocado suas pílulas anti-depressivas por uma dose diária do meu espetáculo poético “Parem de falar mal da rotina ”. De outra vez uma senhora aluna minha de oitenta anos, Dona Elza, me disse que havia perdido um neto e nem tinha tido espaço pra sofrer por se sentir na obrigação de consolar a filha no seu desespero atroz; certo dia Elza ao entrar na livraria abriu, por curiosidade, um livro de Carlos Drumonnd Andrade e se deparou com um poema que ressignificava o conceito da palavra ausência dizendo que ausência é, não uma falta, mas um excesso de presença do objeto amado. De alguma maneira esse pensamento aliviou o coração da avó e curou a depressão da mãe. D’outra vez um jornalista de uma grande revista brasileira me ouviu dizer um poema meu que se chama “Libação”, cujos versos finais mudaram sua vida:
“A vida não tem ensaio
mas tem novas chances
Viva a burilação eterna, a possibilidade
o esmeril dos dissabores!
Abaixo o estéril arrependimento
a duração inútil dos rancores
Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente
e a virgindade dos dias que virão!”
Pois ao ouvir essas palavras, Leôncio refletiu sobre sua carreira e admitiu que se considerava um embuste como jornalista e que poderia viver sendo mais honesto com os seus sonhos. A partir daí e na mesma semana, mesmo indo contra seus familiares, pedira demissão dos seus vinte anos de revista “Veja” e com o dinheiro recebido abriu uma livraria chamada “Esquina da Palavra” que era o seu sonho desde menino e da qual sou madrinha a seu convite; o batizado, eu nem preciso dizer, foi um recital.
Estou dizendo que a poesia sofre de discriminação, preconceito e de desprestígio por parte de livreiros, editores e consequentemente do público a quem não é oferecida está pérola de forma atraente. Ora, se a poesia está na fala das crianças (A lágrima é magoa da água), nos provérbios populares (Quem não vive para servir não serve para viver / O que a gente leva da vida é a vida que a gente leva), nas cartas dos apaixonados (Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure), nas folhinhas dos calendários (Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas), nas letras de música (Se eu quiser falar com Deus tenho folgar os nós das gravatas, dos sapatos, dos anseios, tenho que esquecer a data, tenho que perder a conta, tenho que ter mãos vazias, ter a alma e o corpo nus.), nos sermões religiosos (Não diga a Deus o tamanho dos seus problemas, diga aos seus problemas o tamanho do seu Deus).
Pois bem se ela está em toda parte, por que não vende? Por que é considerada menor? Arrisco em dizer que a gênese dessa dificuldade de circulação da poesia esteja no ensino básico onde a criança é apresentada ao poema e o professor (salvo raras exceções) não sabe lê-lo. Para se ler um poema há uma tendência universal de impostar a voz e se distanciar do tema para priorizar a sua forma. Carrega-se a mão na tinta ao se eleger as rimas no exagero sonoro de exaltá-las, criando assim uma “música” previsível e aprisionante que faz parecerem iguais todos os poemas. Esse jeito formal de tratar o verso quando é dito nos saraus de declamação ou na sala de aula prejudica a comunicação e a transmissão da mensagem que aquele verso traz, além de entediar e muitas vezes fazer adormecer seu público alvo. Na maioria das vezes a forma gráfica desta escrita ilude o leitor e o orador, levando-o a respirar a cada fim de verso atropelando o seu sentido, cortando o fluxo de uma oração, separando o verbo do seu complemento, o adjetivo de seu substantivo, criando uma distância violenta e uma montanha de “non sense” entre a poesia e seu espectador. Vou dar um exemplo no fragmento do poema de Manuel Bandeira:
“Teu corpo de maravilhas
quero possuí-lo no leito
estreito da redondilha.”
Infelizmente, algumas vezes pude assistir esses versos sendo lidos dando uma pausa no “leito”, separando bruscamente o adjetivo “estreito” que dá qualidade ao “leito”, se falado junto. Porém, quando os separamos criamos um discurso doido que suspende qualquer entendimento lógico.
Tenho dedicado minha vida à difusão da poesia em todos os meios de comunicação para todos os públicos e idades. Quando tinha apenas onze anos, minha mãe, percebendo o meu gosto por esta arte já na escola, me levou para estudar declamação. Por sorte a professora era uma mulher especial e foi me dizendo logo que o seu curso era, não de declamação, mas de Interpretação Teatral da Poesia. Eu não entendi logo o que isso significava, mas gostei e essa senhora querida, Maria Filina Sales Sá de Miranda me ensinou a ler o poema contando a sua história, só dando pausas ditadas pelo sentido e não pela forma. Essa escola onde permaneci por seis anos consecutivos e dela só saí para ingressar no teatro, deu um vetor diferencial no tratamento poético para mim. A experiência nos palcos do Brasil e de alguns outros países, me levou a criar a Escola Lucinda de Poesia Viva, cujo lema é “falando poesia sem ser chato”. Este lema nasceu porque quando iniciei meus espetáculos monólogos poéticos no Rio de Janeiro, descobrimos que se colocássemos a palavra poesia nos cartazes de divulgação afastávamos o publico que certamente pensava o que inúmeras vezes verbalizou: “Ah não, monólogo e poesia ainda por cima..., não vou suportar!” Foi preciso então que muita gente testemunhasse que era possível outra forma de experênciar a poesia e ver que meus recitais, ao contrario dos outros, não deixava ninguém dormir na poltrona, para que eu pudesse como hoje estampar a palavra poesia nas peças publicitárias desses espetáculos, sem medo de espantar ninguém. A experiência diversificada durante estes anos falando para auditórios de duas mil pessoas, cinco mil e até quarenta mil me fez concluir que o segredo dessa comunicação está em trazer para a poesia a musicalidade das conversas, digo das conversações cotidianas. Se o poema nasce do cotidiano ele deve ter o seu acento, sua “imperfeição” humaníssima, seus muxoxos, seus naturais gestos que jamais devem ser ensaiados antes. Pois da mesma maneira que quando falamos o texto da nossa vida real, utilizamos nossas mãos e todo nosso corpo como agente de expressão espontânea, assim devemos fazê-lo com os versos, gesticulando sem pensar nisso. Se devolvemos à poesia seu sotaque original, seu desejo de ser compreendida, sua musicalidade informal de conversa, de “charla”, seu dom de comunicação se cumpre e encontra seu alvo. Muita gente me diz que era virgem de poesia antes de conhecer esse modo de dizer, que antes se sentia menor, excluído e incapaz de compreender um poema. A experiência me diz que a culpa raramente é do poema e sim de seus declamadores. Na Escola Lucinda de Poesia Viva costumo dizer aos meus alunos que eles passarão por uma “clínica de desintoxicação” para que se libertem do “vício” de aprisionar o poema numa “música” formal e limitada como se fosse um chato discurso político, que nos acompanha desde criança.
Caí dentro desse assunto tratando este “produto” com iniciativas de multimídia. Explico: ao publicar um livro, também o lanço em forma de espetáculo, de CD e agora de DVD, além de utilizar a televisão e o rádio para dizer poemas a cada entrevista. Essa atitude traz maior circulação e consumo do gênero. Coleciono uma série de exemplos que comprovam, não só a utilidade mas a necessidade da poesia no mundo; me lembro do ano passado durante o Fórum de Cultura em Barcelona quando uma senhora me disse que tinha trocado suas pílulas anti-depressivas por uma dose diária do meu espetáculo poético “Parem de falar mal da rotina ”. De outra vez uma senhora aluna minha de oitenta anos, Dona Elza, me disse que havia perdido um neto e nem tinha tido espaço pra sofrer por se sentir na obrigação de consolar a filha no seu desespero atroz; certo dia Elza ao entrar na livraria abriu, por curiosidade, um livro de Carlos Drumonnd Andrade e se deparou com um poema que ressignificava o conceito da palavra ausência dizendo que ausência é, não uma falta, mas um excesso de presença do objeto amado. De alguma maneira esse pensamento aliviou o coração da avó e curou a depressão da mãe. D’outra vez um jornalista de uma grande revista brasileira me ouviu dizer um poema meu que se chama “Libação”, cujos versos finais mudaram sua vida:
“A vida não tem ensaio
mas tem novas chances
Viva a burilação eterna, a possibilidade
o esmeril dos dissabores!
Abaixo o estéril arrependimento
a duração inútil dos rancores
Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente
e a virgindade dos dias que virão!”
Pois ao ouvir essas palavras, Leôncio refletiu sobre sua carreira e admitiu que se considerava um embuste como jornalista e que poderia viver sendo mais honesto com os seus sonhos. A partir daí e na mesma semana, mesmo indo contra seus familiares, pedira demissão dos seus vinte anos de revista “Veja” e com o dinheiro recebido abriu uma livraria chamada “Esquina da Palavra” que era o seu sonho desde menino e da qual sou madrinha a seu convite; o batizado, eu nem preciso dizer, foi um recital.
Para continuar esta leitura, siga o link de onde foi extraído
este artigo: http://afuriadeelisa.blogspot.com.br/2008_12_01_archive.html
Atualizado em 30/10/23
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