"Deixa-me
sofrer o tremendo castigo de minha temeridade! Por muito que eu sofra, nunca
serei privada de uma bela morte."
Sófocles - Antígona , I, 20
Antígona
A peça que Sófocles escreveu há
2.500 anos exalta a coragem de uma princesa que enfrenta um rei tirano,
continua até hoje arrancado admiração do publico ocidental e intensas
indagações da crítica literária e filosófica sobre a real motivação da devotada
filha de Édipo em arriscar a própria vida em nome de um princípio. A mais
recente das contribuições ao fascinante tema encontra-se no livro de Kathrin
Rosenfield Antígona - de Sófocles a Hölderlin. Leia a seguir:
As filhas de Édipo (*)
As duas filhsa de Édipo Rei, que
varara seus próprios olhos, cegando-se (depois de ter descoberto a sórdida
história familiar em que se envolvera como executor e vítima), a frágil e
temerosa Ismena e a altiva Antígona, acompanhou o pai no exílio. Teseu, o
lendário rei-herói de Atenas, condoído da situação em que o ex-soberano de
Tebas se encontrava, oferecera-lhe abrigo na cidade. Não demorou para que
Édipo, sofrido e amargurado, morresse. Atendendo aos augúrios que diziam que
onde o seu corpo fosse enterrado toda a região ficaria protegido, Édipo, um
pouco antes de baixar ao Hades, determinara a Teseu que não revelasse a quem
quer que fosse o lugar em que seria sepultado, nem mesmo para as suas filhas:
"Sem que ninguém me conduza, eu
próprio te guiarei imediatamente ao lugar onde devo morrer. Mas tu não descubras
jamais a nenhum homem onde se esconde, nem a região em que está situado meu
túmulo, a fim de que, melhor do que muitos escudos e lanças te defendam sempre
contra os vizinhos."
(Édipo em Colono)
Assim, quando o desenlace se deu,
elas nem puderam prantear sobre a sua tumba. Desamparadas, sozinhas, elas
rogaram a Teseu que as enviasse de volta aos seus. Queriam retornar a Tebas,
pois já haviam recebido notícias que seus dois outros irmãos, Etéocles e
Polinices, atingidos pela ará, a imprecação que Édipo lançara sobre seus dois
filhos malditos, estavam em guerra um contra o outro pela disputa do trono, e
pelo menos Antígona tinha esperanças de, lá chegando, evitar um desenlace
doloroso.
(*) a lenda de Édipo, o de Pé
torto, provavelmente deriva do mito do Tifão vindo do Egito, onde o seu pai,
Laio, o demônio da Noite, é morto pelo próprio filho, o Dia, que termina
casando-se com Jocasta, a mãe-aurora, que deu-lhe a luz.
O ciclo tebano
Teatro Dionísio, em
Atenas
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A peça Antígona, apresentada em
Atenas provavelmente no ano 441 a.C., encerrava o sexteto que Sófocles dedicou
à tragédia de Édipo, rei de Tebas (as duas primeiras eram Édipo Rei e Édipo em
Colono, as outra três desapareceram), talvez uma das mais comoventes e
impactantes histórias da literatura ocidental. Não é um despropósito imaginar
que a idéia de contar a história do infeliz rei incestuoso e seus infortunados
filhos tenha sido concebida por ele exatamente por Édipo ter-se recolhido a
Colono, um demos bem próximo a Atenas e local de nascimento de Sófocles.
O grande autor trágico viera ao mundo
ali em 495 a.C., filho de uma família razoavelmente abastada, e deve ter sido
criado ouvindo as histórias que cercavam o amaldiçoado monarca tebano. O
curioso dessa relação de Sófocles com a história de Édipo e dos seus
descendentes, é que o dramaturgo acabou por ser eleito estratego(general),
na época da Guerra de Samos (441-439 a.C.), pelos seus concidadãos, provavelmente
por indicação de Péricles, exatamente pelo sucesso alcançado pela encenação de
Antígona. Também ao seu sucesso como autor deve-se a nomeação dele em 443 a.C.
para o cargo de hellenotamia, o arrecadador de tributos, nomeado pela Ecclésia
para recolher os dinheiros das cidades aliadas de Atenas.
A tragédia do caráter
Sófocles
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Enquanto seu mestre
Ésquilo, a quem Sófocles sucedeu no gosto do público ateniense, apresentava
invariavelmente os seus heróis submetidos às leis da fatalidade, esboçadas por
deuses implacáveis, esse procurou traçar um cenário diferente para a ação dos seus
personagens. Se bem que os deuses continuassem os mesmos, o destino dos heróis
de Sófocles deriva bem mais do caráter deles do que do determinismo fatalista.
O Agon, o embate, o conflito, que alimenta o seu drama, é antes de tudo um
choque de personalidades fortes, claramente definidas e assumidas em quanto
tal. Em suma, há sim um poder do além intervindo sistematicamente, mas isso não
retira o espaço da liberdade de ação do homem. Interessa observar que
destaca-se entre essas personagens fortes, fortíssima até, a jovem filha de
Édipo, Antígona. Ela, mesmo sendo mulher, considerada inferior para a maioria
dos gregos de então, incorpora os valores altivos e honrados herdados de uma
dinastia aristocrática, a dos Labdácidas, e vai à luta para manter os sagrados
princípios da sua casta.
A briga dos herdeiros
Édipo rei, no seu
tempo de fausto
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Com o exílio de
Édipo, seus dois filhos, Etéocles e Poliníces, ainda que amaldiçoados pelo pai,
decidem dividir o poder. Combinam entre si que enquanto um assume o trono o
outro responde pelo tesouro de Tebas. Ocorre que, transcorrido um tempo,
estando a coroa com Etéocles, esse, possuído pelo daimón, pela praga jogada
sobre os Labdácidas, nega-se a dar lugar ao irmão. Polinices, irado e magoado,
jurando vingança, retira-se então da cidade natal, indo abrigar-se na corte do
rei Adastro de Corinto. Lá, o príncipe tebano usurpado casa-se com a filha de
rei e esse então jura auxiliar o genro na recuperação do trono tebano. Para
tanto, recruta um grupo de príncipes argivos que juram tomar a cidade ou morrer
tentando. Cercado os muros de Tebas, a população começa a padecer dos efeitos
do sitio até que devido ao sacrifício da vida de Meniceu, o filho de Creonte e
primo-irmão de Etéocles e de Polinices, a sorte se inverte. Os atacantes são
abatidos e postos em fuga, mas os dois irmãos não sobrevivem. Etéocles, num
rápido duelo com Polinices, o mata, não sem antes também se ver varado pela
espada do irmão. Dessa forma encerra-se a linhagem masculina dos Labdácidas, só
restando da antiga família dos descendentes de Laio e de Édipo, as duas moças.
O Édito de Creonte
Um casal grego
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No vazio de poder que
se dá, quem legitimamente assume como "o senhor do poder e do trono"
em Tebas é Creonte, o cunhado de Édipo e tio de seus filhos e filhas. Indignado
com a insurreição de Polinices, que voltou-se contra a sua cidade e contra o
restante da sua própria família, rebeldia que, inclusive, ceifou a vida de um
dos filhos de Creonte, o novo rei determina um castigo exemplar para o jovem
príncipe morto: que não seja dado abrigo ao cadáver dele. Que ele reste
insepulto, servindo suas carnes putrefatas "como um objeto horrível à
vista, para pasto das aves e dos cães". Dessa forma, a alma de Polinices
vagaria danada, sequer com direito à baixar ao Hades, a morada dos mortos (*).
Já o outro irmão, Etéocles, que morreu em defesa da cidade, mereceria
"todas as honras fúnebres, as quais vão para debaixo da terra, para os
heróis defuntos". Ai de quem tentasse não respeitar o édito do rei, pois
Creonte determinou "que não haja condescendência a respeito dos que
desobedecerem", pois a morte seria a paga.
(*) era crença entre
os gregos antigo que a alma dos mortos atravessava uma barca, conduzida por
Caronte, um barqueiro mal-humorado, a quem convinha agradar fazendo com que se
colocasse uma moeda na boca ou na testa do morto. Chegando às margens da mansão
do Hades, onde os mortos se concentravam, havia na sua frente o cão Cérbero,
que deixava a alma entrar, mas jamais sair.
A reação de Antígona
Logo que chegam a Tebas, as duas irmãs tomam conhecimento do destino
infausto dos irmãos como também do édito de Creonte. Desta vez é Antígona quem
se indigna. Não poderiam elas, como as últimas familiares restantes do morto,
deixar de cumprir com os obrigatórios ritos consumados. Ismena, porém, acha
aquilo temerário. Lembra a Antígona que elas descendem de uma dinastia
amaldiçoada, onde todo os antepassados ou próximos tiveram morte horrível
(Laio, o avô delas, foi morto pelo próprio filho Édipo, que depois arrancou os
próprios olhos; Jocasta, simultaneamente, a mãe e avó delas, matou-se, e seus
dois irmãos, Etéocles e Polinices, foram-se na voragem do fratricídio). Quem
sabe seria melhor acatar as determinações do novo rei, o tio delas? Afinal,
pondera, elas são mulheres e ninguém iria cobrar-lhes atitudes viris e
temerárias, tal como desafiar a autoridade de Creonte. Antígona, porém,
desprezou-a. Para ela, a irmã era covarde, incapaz de sensibilizar-se com as
responsabilidades da casta nobre, a que por sangue pertenciam. Na calada da
noite, contornando as sentinelas que vigiavam o irmão defunto, ela
conseguiu prestar-lhe as homenagens, fazendo as libações e jogando um pouco de
terra sobre os seus restos.
Quando um mensageiro
traz-lhe a notícia do desrespeito às suas ordens, Creonte, tomado de raiva,
acreditou, num primeiro momento, que aquilo devia-se a uma manobra de
"cidadãos descontes" que "murmuravam e abanavam a cabeça às
escondidas, não conservando dóceis, como deviam, o pescoço sob o jugo",
teriam assalariado alguém para praticar aquele ato de provocação ao novo
governo.
Enfrentando o Tirano
"Ele não tem direito a
impedir os meus deveres sagrados."
(Antígona,10)
Um dama da nobreza grega |
Novamente os
sentinelas expõem o morto ao sol e, outra vez, Antígona vem-lhe prestar os
favores de um velório. Detida, ela é conduzida ao rei. A princesa não se
desculpa. Ao contrário, depois de ter iniciado no interrogatório cabisbaixa,
lança no rosto de Creonte que nenhuma lei humana ou real poderia detê-la
naquele seu ato de obediência aos desígnios bem mais profundos. Aqueles que
obrigam um parente a dar sepultura a um dos seus. Possesso, o rei ordena que a
emparedem, que a sepultem viva. Da boca de Antígona, tomada por um volúpia
orgulhosa, quase suicida, não sai nenhum apelo de comiseração ou perdão.
Tudo indica que
Creonte passa a ver na eliminação da filha de Édipo (a sentença também atinge a
inocente Ismena) uma maneira de despoluir o reino de Tebas dos derradeiros
descendentes incestuosos de Laio, e também evitar que Herão, o seu filho
sobrevivente, contraia núpcias com Antígona, sua noiva prometida. O filho, por
sua vez, se horroriza com a intransigência do pai. Acusa-o abertamente de
tirano ("a cidade não pertence a um homem só"), dizendo-lhe que por
toda a cidade o gesto de Antígona, tentando enterrar o irmão, é entendido como
um gesto nobre. Mas Creonte o repreende, acusando de obedecer a uma mulher
("caráter vil, às ordens de uma mulher"), Herão, em fúria,
decepcionado, atendendo mais aos reclamos de Afrodite, a deusa do amor, do que
os deuses familiares, rompe com o pai.
A entrevista com o mago
Tirésias, o celebrado
adivinho que era cego, vem alertar Creonte dos malefícios da sua atitude. Tendo
escutado o pio das aves e interpretado os agouros (a gordura dos pássaros
sacrificados não derretera), concluiu ele que "a cidade sofre por tua
culpa"..."por lares santos terem sido profanados". Apelou então
ao rei que seguisse a rota da prudência. Este, possesso, acusa o mago de
interesseiro ("toda a gentalha dos adivinhos é ávida de dinheiro"),
enquanto o solene cego responde-lhe que ele está "completamente
infectado" pela falta de juízo. Previu então, ao ir se retirando da
audiência, que uma grande desgraça estava prestes a abater-se sobre a casa do
rei. Novamente só, assustado com as palavras certeiras do profeta, Creonte
entregou-se à dúvidas. Atormentava-o agora à solidão do poder. Ninguém mais o
apoiava. Quem sabe se haveria ainda um tempo para a remissão? Chama então os guardas
e põe-se a caminho. Quer ir libertar Antígona.
Um dilúvio de desgraças
O guerreiro com elmo,
orgulho da raça
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A volta atrás do rei
porém deu-se tarde. Chegando ao local, ao ordenar que desemparedassem Antígona,
deram com ela morta. A filha de Édito pendia numa corda, enforcara-se. Herão, o
noivo, enlouquecido pela dor, desembainhado a espada, tenta estocar o pai, que,
assustado, refugia-se do lado de fora do muro caído. O rapaz então, alucinado,
volta a ponta da lâmina contra o seu abdômen e deixa-se cair sobre ela,
matando-se. Mas o dilúvio da fatalidade que desabou sobre a família do soberano
de Tebas não se encerrou ainda ali. Eurídice, a esposa de Creonte, ao saber no
palácio da morte do único filho que lhe restara, também decidiu-se se suicidar.
O rei, num desespero crescente, toma consciência de que foi sua atitude quem
causou aquele infortúnio todo ("Eu fui a causa deles! Fui eu, fui eu,
miserável, quem te matou! Reconheço a verdade!"). Meio enlouquecido, pede
aos guardas que o carreguem para longe daquelas vistas de gente morta:
"Levai daqui o
louco, que, sem querer, filho te matou e também a ti, esposa! Ai, infeliz de
mim! Não sei para qual devo olhar, nem onde me apoiarei; porque estão
invertidas todas as coisas que podiam servir-me de amparo: sobre a minha cabeça
desabou um insuportável destino!."
Interpretando "Antígona"
É corrente entre os
estudiosos das tragédias gregas que elas serviram, antes de ser um
entretenimento, como um estímulo a grandes discussões jurídicas, políticas,
filosóficas e existenciais da sociedade grega e, porque não dizer, da
humanidade. Antígona é, nesse sentido, uma das que mais longamente prestou-se
às mais diversas interpretações políticas e literárias. O filósofo Hegel, por
exemplo, considerou-a, longe de ser apenas um enfrentamento entre dois teimosos
de cabeça quente, como um modelo do choque existente entre os interesses do
Estado representado pelo rei Creonte, frente às Leis Não Escritas, a dikê, a
ordem natural e os direitos familiares invocados pela princesa tebana.
O crítico H.D.F.Kitto
(A Tragédia Grega, Coimbra, 1972), por sua vez, entendeu que, entre as
duas fortes personagens que a dominam, ela é a tragédia de Creonte. A filha de
Édipo, atormentada pela crescente infelicidade da sua família, talvez estivesse,
ao desafiar a lei, em busca de uma morte gloriosa, solene, auto-sacrificando-se
no altar da sua raça em extinção. Sobre ele, porém, é que concentraram-se as
responsabilidades ("Ó anciãos, todos vós sois como arqueiros que atiram
para este homem como sobre um alvo"). Apesar da peça chamar-se
"Antígona", é ele, Creonte, quem domina o cenário. É em torno da sua
decisão que é tecida toda a rede de infelicidades.
Príncipe
recém-entronado, Creonte tem por objetivo fixar dois princípios: começar uma
nova dinastia despoluída, afastada da maldição que cercava os incestuosos
Lambácidas e dar uma punição exemplar aos que viessem de alguma forma desafiar
a sua autoridade, pela desobediência ou pela rebeldia. Como ele fez ao
emparedar Antígona, ou ainda deixando Polinices insepulto. Gradativamente, por
mostrar-se obcecado em afirmar-se como tirano, todos dele se afastam. O filho,
o mago Tirésias e, por fim, a própria esposa. Na verdade, pode-se considerar a
peça como uma notável exposição sobre a solidão do poder e o gigantesco preço
que um estadista é obrigado, por vezes, a pagar por ter tomado uma decisão que
ele considerava acertada.
Albin Lesky (La
tragedia griega, Barcelona, 1970), entrementes, não acredita num embate
entre o Estado e a Família, mas que tudo deriva da maldade e mesmo crueldade de
Creonte, que age como se fosse um possesso, quase se deliciando com o poder que
dispõe de fazer executar a sua vontade inquestionável. É de se considerar
também que ele descarregou sobre Antígona uma vingança que ele não pôde
executar sobre os filhos de Édipo, que, naquela altura já estavam mortos, pois,
afinal, foi a luta fratricida que fez com que Creonte perdesse um dos seus filhos,
dado em sacrifício para o bem da cidade.
Para a dupla
J-P.Vernant & Vidal-Naquet (Mito e Tragédia na Grécia Antiga,
S.Paulo, 1977) a grande tragédia de Sófocles não trata só da maldade de Creonte
ou da coragem de Antígona, nem mesmo um conflito que opõe o espírito político
do rei, oposto ao espirito religioso da filha de Édipo, mas sim um embate,
insolúvel, entre "dois tipos de religiosidade", de "dois
domínios da vida religiosa":
Antígona
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Creonte
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Representante da religião familiar, puramente
privada, limitada ao círculo estreito dos parentes próximos, ao philoi,
centrada no lar familiar e nos mortos, a qual ela deve obrigações
impostergáveis, sem possibilidade de transigir.
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Representante da religião pública onde os deuses
da cidades tendem finalmente a confundir-se com os valores supremos do
Estado. O magistrado supremo tem o dever de fazer respeitar seuKrátos (governo)
e a lei que proclamou.
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Um conflito
intradinástico
|
Na
erudita interpretação que Kathrin Rosenfield (Antígona - de Sófocles a
Hölderlin, P.Alegre, 2000) faz da tragédia "Antígona" (a partir
da tradução feita pelo poeta alemão Hölderlin, em 1800), traz uma nova
contribuição. Não que ela negue as anteriores acima expostas, mas sim que
releva sua atenção para um outro aspecto do embate do tio com a sobrinha - a
questão, digamos, genético-dinástica. Creonte, para ela, assume não só o papel
do estadista tirânico, querendo ver valer a todo custo um édito seu, mesmo que
isso implique no sacrifício de alguém da família real, como também o do pai
extremando que procura evitar que o seu filho Hemão viesse a se casar com
alguém abominado pelos deuses. Sabendo que Antígona era resultado de um
casamento incestuoso, ela, contraindo núpcias com Hemão, faria com que o futuro
rebento daquela união, o neto de Creonte, fosse também atingido pela praga que
cercara a todos os Labdácidas. Por isso, o rei manifestou-se com tanto ardor.
Não se tratava só de política, mas de algo mais profundo, que partia do mundo
dos instintos, o pavor de ver seu genos (estirpe) também
poluído. Os gritos possessos de Creonte eram a voz do sangue ameaçado, não uma
fala do trono.
Portanto,
o extraordinário drama abarca também uma desavença intradinástica, onde a velha
estirpe, representada pelo sangue contaminado de Antígona, luta para salvar sua
honra de uma família decadente, enquanto uma nova estirpe, que se imagina ainda
não poluída, tenta afirmar-se como sucessora legítima da Casa dos Labdácidas. Ambos
seriam pois, faces diferentes de uma exigência genética. Uma inteiramente
infectada, outra tentando fugir ao contágio.