sábado, 26 de outubro de 2024

Psicologia de Um Vencido, Poema de Augusto dos Anjos, com análise e Elevador do Filho de Deus, de Elisa Lucinda, com Análise.

PSICOLOGIA DE UM VENCIDO poema de Augusto dos Anjos

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Acesso: 27/03/23 às 21:05Hs.

- Análise -


1ª estrofe:
"Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco."
O personagem retratado no poema é o próprio eu lírico. No primeiro verso, Augusto dos Anjos faz referência ao carbono e ao amoníaco, sendo os dois compostos da atmosfera primitiva que pode ser representada pelo vulcão, que tem em sua composição CO2, NH3 e H20. O carbono também é abundante no corpo humano, o que demonstra a intenção do autor em dizer que é filho da matéria simples. 

No segundo verso o autor utiliza a palavra “monstro” no sentido de depreciação a si mesmo, uma característica comum em seus poemas. No terceiro verso há o sofrimento gradual, e no verso seguinte o seu sofrimento toma proporções universais.

2ª estrofe:
"Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância ...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco."

Nessa estrofe o autor descreve o ambiente em que ele se encontra, sendo esse um lugar de dor e sofrimento que lhe causa ânsia e repugnância. Mais uma vez é usada a fisiologia, uma das marcas registradas de Augusto dos Anjos.

3ª estrofe:
"Já o verme – esse operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,"
O verme pode ser considerado outro “personagem” do poema já que ele representa um certo tipo de inimigo do eu lírico quando ele “declara guerra à vida”, sendo essa sua ação.

4ª estrofe:
"Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra."

O verme espreita os olhos (permite a visão do mundo) do eu lírico e deixa apenas o cabelo que é constituído de queratina, que é resistente ao tempo e que não pode ser decomposta pelos vermes.
"A frialdade inorgânica" é o 'fim' do eu lírico que inicialmente era filho do carbono (representação da vida) e que agora está em um ambiente inorgânico (oposto da vida). A parte inorgânica da terra pode ser considerada como um solo firmado por desgaste das rochas e minerais inorgânicos.
Por Bruna Lazzarini


Acesso em 27/03/2023 – 21:33Hs.

No elevador do filho de Deus. De Elisa Lucinda

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida 
Que eu já tô ficando craque em ressurreição. 
Bobeou eu tô morrendo 
Na minha extrema pulsão 
Na minha extrema-unção 
Na minha extrema menção 
de acordar viva todo dia 
Há dores que sinceramente eu não resolvo 
sinceramente sucumbo 
Há nós que não dissolvo 
e me torno moribundo de doer daquele corte 
do haver sangramento e forte 
que vem no mesmo malote das coisas queridas 
Vem dentro dos amores 
dentro das perdas de coisas antes possuídas 
dentro das alegrias havidas 

Há porradas que não tem saída 
há um monte de "não era isso que eu queria" 
Outro dia, acabei de morrer 
depois de uma crise sobre o existencialismo 
3º mundo, ideologia e inflação... 
E quando penso que não 
me vejo ressurgida no banheiro 
feito punheteiro de chuveiro 
Sem cor, sem fala 
nem informática nem cabala 
eu era uma espécie de Lázara 
poeta ressuscitada 
passaporte sem mala 
com destino de nada! 

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida 
ensaiar mil vezes a séria despedida 
a morte real do gastamento do corpo 
a coisa mal resolvida 
daquela morte florida 
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos 
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos 
que já to ficando especialista em renascimento 

Hoje, praticamente, eu morro quando quero: 
às vezes só porque não foi um bom desfecho 
ou porque eu não concordo 
Ou uma bela puxada no tapete 
ou porque eu mesma me enrolo 
Não dá outra: tiro o chinelo... 
E dou uma morrida! 
Não atendo telefone, campainha... 
Fico aí camisolenta em estado de éter 
nem zangada, nem histérica, nem puta da vida! 
Tô nocauteada, tô morrida! 

Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa 
não tem aquela ansiedade para entrar em cena 
É uma espécie de venda 
uma espécie de encomenda que a gente faz 
pra ter depois ter um produto com maior resistência 
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega) 
e fica feito a justiça: cega 
Depois acorda bela 
corta os cabelos 
muda a maquiagem 
reinventa modelos 
reencontra os amigos que fazem a velha e merecida 
pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?" 
E a gente com aquela cara de fantasma moderno, 
de expersona falida: 
- Não, tava só deprimida.




Acesso em 27 03 2023, às 21:40Hs

ANÁLISE

Talvez a poesia seja pioneira no setor de “auto-ajuda”, antes de haver editorialmente este termo. Desde adolescentes colecionamos versinhos de diversos autores em agendas e, muitas vezes, dizemos deles: “esse verso sou eu! Parece que ele me conhece!”. Outras vezes um verso salva uma pessoa, noutras, muda uma vida ou várias. Tenho dedicado minha vida a popularizar o gênero. Como sabemos, até hierarquicamente o gênero poesia é desprezado. As premiações para romance e contos, por exemplo, nos mais prestigiados concursos do mundo são sempre mais avultosas do que os valores para a poesia. Como se pudesse haver hierarquia entre os gêneros. Acabo de publicar o meu primeiro livro de contos e pude me ver diante da insististe pergunta afirmativa de variados jornalistas: “bem agora que você já está escrevendo contos, pretende também chegar até o romance? “Ora falam como se houvesse uma evolução. Estamos falando da arte da escrita e cada uma de suas modalidades possui um tecido diferente. Acaso nas artes plásticas um escultor é melhor do que um pintor? Muitas vezes o cara é um grande romancista e não foi capaz de um verso; eu não conheço nenhum poema de Virgínia Woolf, e tão pouco posso dizer que Fernando Pessoa é menor do que Gabriel Garcia Marques. 

     Estou dizendo que a poesia sofre de discriminação, preconceito e de desprestígio por parte de livreiros, editores e consequentemente do público a quem não é oferecida está pérola de forma atraente. Ora, se a poesia está na fala das crianças (A lágrima é magoa da água), nos provérbios populares (Quem não vive para servir não serve para viver / O que a gente leva da vida é a vida que a gente leva), nas cartas dos apaixonados (Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure), nas folhinhas dos calendários (Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas), nas letras de música (Se eu quiser falar com Deus tenho folgar os nós das gravatas, dos sapatos, dos anseios, tenho que esquecer a data, tenho que perder a conta, tenho que ter mãos vazias, ter a alma e o corpo nus.), nos sermões religiosos (Não diga a Deus o tamanho dos seus problemas, diga aos seus problemas o tamanho do seu Deus).

    P
ois bem se ela está em toda parte, por que não vende? Por que é considerada menor? Arrisco em dizer que a gênese dessa dificuldade de circulação da poesia esteja no ensino básico onde a criança é apresentada ao poema e o professor (salvo raras exceções) não sabe lê-lo. Para se ler um poema há uma tendência universal de impostar a voz e se distanciar do tema para priorizar a sua forma. Carrega-se a mão na tinta ao se eleger as rimas no exagero sonoro de exaltá-las, criando assim uma “música” previsível e aprisionante que faz parecerem iguais todos os poemas. Esse jeito formal de tratar o verso quando é dito nos saraus de declamação ou na sala de aula prejudica a comunicação e a transmissão da mensagem que aquele verso traz, além de entediar e muitas vezes fazer adormecer seu público alvo. Na maioria das vezes a forma gráfica desta escrita ilude o leitor e o orador, levando-o a respirar a cada fim de verso atropelando o seu sentido, cortando o fluxo de uma oração, separando o verbo do seu complemento, o adjetivo de seu substantivo, criando uma distância violenta e uma montanha de “non sense” entre a poesia e seu espectador. Vou dar um exemplo no fragmento do poema de Manuel Bandeira:

“Teu corpo de maravilhas
quero possuí-lo no leito
estreito da redondilha.”

     I
nfelizmente, algumas vezes pude assistir esses versos sendo lidos dando uma pausa no “leito”, separando bruscamente o adjetivo “estreito” que dá qualidade ao “leito”, se falado junto. Porém, quando os separamos criamos um discurso doido que suspende qualquer entendimento lógico. 

    T
enho dedicado minha vida à difusão da poesia em todos os meios de comunicação para todos os públicos e idades. Quando tinha apenas onze anos, minha mãe, percebendo o meu gosto por esta arte já na escola, me levou para estudar declamação. Por sorte a professora era uma mulher especial e foi me dizendo logo que o seu curso era, não de declamação, mas de Interpretação Teatral da Poesia. Eu não entendi logo o que isso significava, mas gostei e essa senhora querida, Maria Filina Sales Sá de Miranda me ensinou a ler o poema contando a sua história, só dando pausas ditadas pelo sentido e não pela forma. Essa escola onde permaneci por seis anos consecutivos e dela só saí para ingressar no teatro, deu um vetor diferencial no tratamento poético para mim. A experiência nos palcos do Brasil e de alguns outros países, me levou a criar a Escola Lucinda de Poesia Viva, cujo lema é “falando poesia sem ser chato”. Este lema nasceu porque quando iniciei meus espetáculos monólogos poéticos no Rio de Janeiro, descobrimos que se colocássemos a palavra poesia nos cartazes de divulgação afastávamos o publico que certamente pensava o que inúmeras vezes verbalizou: “Ah não, monólogo e poesia ainda por cima..., não vou suportar!” Foi preciso então que muita gente testemunhasse que era possível outra forma de experênciar a poesia e ver que meus recitais, ao contrario dos outros, não deixava ninguém dormir na poltrona, para que eu pudesse como hoje estampar a palavra poesia nas peças publicitárias desses espetáculos, sem medo de espantar ninguém. A experiência diversificada durante estes anos falando para auditórios de duas mil pessoas, cinco mil e até quarenta mil me fez concluir que o segredo dessa comunicação está em trazer para a poesia a musicalidade das conversas, digo das conversações cotidianas. Se o poema nasce do cotidiano ele deve ter o seu acento, sua “imperfeição” humaníssima, seus muxoxos, seus naturais gestos que jamais devem ser ensaiados antes. Pois da mesma maneira que quando falamos o texto da nossa vida real, utilizamos nossas mãos e todo nosso corpo como agente de expressão espontânea, assim devemos fazê-lo com os versos, gesticulando sem pensar nisso. Se devolvemos à poesia seu sotaque original, seu desejo de ser compreendida, sua musicalidade informal de conversa, de “charla”, seu dom de comunicação se cumpre e encontra seu alvo. Muita gente me diz que era virgem de poesia antes de conhecer esse modo de dizer, que antes se sentia menor, excluído e incapaz de compreender um poema. A experiência me diz que a culpa raramente é do poema e sim de seus declamadores. Na Escola Lucinda de Poesia Viva costumo dizer aos meus alunos que eles passarão por uma “clínica de desintoxicação” para que se libertem do “vício” de aprisionar o poema numa “música” formal e limitada como se fosse um chato discurso político, que nos acompanha desde criança. 

      C
aí dentro desse assunto tratando este “produto” com iniciativas de multimídia. Explico: ao publicar um livro, também o lanço em forma de espetáculo, de CD e agora de DVD, além de utilizar a televisão e o rádio para dizer poemas a cada entrevista. Essa atitude traz maior circulação e consumo do gênero. Coleciono uma série de exemplos que comprovam, não só a utilidade mas a necessidade da poesia no mundo; me lembro do ano passado durante o Fórum de Cultura em Barcelona quando uma senhora me disse que tinha trocado suas pílulas anti-depressivas por uma dose diária do meu espetáculo poético “Parem de falar mal da rotina ”. De outra vez uma senhora aluna minha de oitenta anos, Dona Elza, me disse que havia perdido um neto e nem tinha tido espaço pra sofrer por se sentir na obrigação de consolar a filha no seu desespero atroz; certo dia Elza ao entrar na livraria abriu, por curiosidade, um livro de Carlos Drumonnd Andrade e se deparou com um poema que ressignificava o conceito da palavra ausência dizendo que ausência é, não uma falta, mas um excesso de presença do objeto amado. De alguma maneira esse pensamento aliviou o coração da avó e curou a depressão da mãe. D’outra vez um jornalista de uma grande revista brasileira me ouviu dizer um poema meu que se chama “Libação”, cujos versos finais mudaram sua vida:

“A vida não tem ensaio
mas tem novas chances
Viva a burilação eterna, a possibilidade
o esmeril dos dissabores!
Abaixo o estéril arrependimento
a duração inútil dos rancores
Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente
e a virgindade dos dias que virão!”

        P
ois ao ouvir essas palavras, Leôncio refletiu sobre sua carreira e admitiu que se considerava um embuste como jornalista e que poderia viver sendo mais honesto com os seus sonhos. A partir daí e na mesma semana, mesmo indo contra seus familiares, pedira demissão dos seus vinte anos de revista “Veja” e com o dinheiro recebido abriu uma livraria chamada “Esquina da Palavra” que era o seu sonho desde menino e da qual sou madrinha a seu convite; o batizado, eu nem preciso dizer, foi um recital.

Para continuar esta leitura, siga o link de onde foi extraído este artigo: http://afuriadeelisa.blogspot.com.br/2008_12_01_archive.html

Atualizado em 30/10/23

Química Orgânica, de Vinícius de Moraes e Poética, Poema de Manuel Bandeira. Com os comentários/ Análises. Leituras para a 3ª Etapa do PAS UnB.

QUÍMICA ORGÂNICA (Vinícius de Moraes)


       Há mulheres altas e mulheres baixas; mulheres bonitas e mulheres feias; mulheres gordas e mulheres magras; mulheres caseiras e mulheres rueiras; mulheres fecundas e mulheres estéreis; mulheres primíparas e mulheres multíparas; mulheres extrovertidas e mulheres inconsúteis; mulheres homófagas e mulheres inapetentes; mulheres suaves e mulheres wagnerianas; mulheres simples e mulheres fatais; - mulheres de toda sorte e toda sorte de mulheres no nosso mundo de homens. Mas, do que pouca gente sabe é que há duas categorias antagônicas de mulheres cujo conhecimento é da maior utilidade, de vez que pode ser determinante na relação desses dois sexos que eu, num dia feliz, chamei de "inimigos inseparáveis". São as mulheres "ácidas" e as mulheres "básicas", qualificação esta tirada à designação coletiva de compostos químicos que, no primeiro caso, são hidrogenados, de sabor azedo; e no segundo, resultam da união dos óxidos com a água e devolvem à tintura do tornassol, previamente avermelhada pelos ácidos, sua primitiva cor azul.

       Darei exemplos para evitar que os ínscios e levianos, ao se deixarem levar pela mania de classificar, que às vezes resulta de uma teoria paracientífica, cometam injustiças irreparáveis. Pois a verdade é que mulheres que podem parecer em princípio "ácidas", como as louras (conf. com a expressão corrente: "branca azeda", etc.), podem apresentar tipos da maior basicidade. Não é possível haver mulher mais "básica" que Marylin Monroe,* por exemplo; enquanto que Grace Kelly, que muita gente pode tomar por "básica", é a mulher mais cítrica dos dias que correm. Podia-se fazer com Grace Kelly a maior limonada de todos os tempos, e nem todo o açúcar de Cuba seria capaz de adoçá-la.

        De um modo geral, a mulher "ácida" é sempre bela, surpreendente mesmo de beleza. É como se a Natureza, em sua eterna sabedoria, procurasse corrigir essa hidrogenação excessiva com predicados que a façam perdoar, senão esquecer pelos homens. Porque uma coisa eu vos digo: é preciso muito conhecimento de química orgânica para poder distinguir uma "básica" ou uma "ácida" pela cara. A mulher "ácida" tem uma consciência intuitiva da sua química, e não é incomum vê-la querer passar por "básica" graças ao uso de maquilagem apropriada e outros disfarces próprios à categoria inimiga.

         Como um homem prevenido vale por dois, dou aqui, por alto, noções geográficas e fisiológicas dos dois tipos, de modo que não chupe tamarindo aquele que gosta de manga, e vice-versa. A vol d'oiseau se pode dizer que as regiões escandinavas, certas regiões balcânicas e a América do Norte são infestadas de mulheres "ácidas", no caso da América, sobretudo o Sul e Middlewest, onde há predominância do tipo one hundred per cent American. Ingrid Bergman é uma "ácida escandinava" típica e é preciso ir procurar uma Greta Garbo para achar a famosa exceção comum a toda a regra. As Ilhas Britânicas em si não são "ácidas"; mas há que ter cuidado com certas regiões da Escócia e da Irlanda, onde o limão come solto. Na França, com exceção de Paris e Île-de-France, e naturalmente da Côte d'Azur, reina uma certa acidez, sobretudo na Bretanha, Alsácia e Normandia. A Itália é "básica", tirante, talvez, o Veneto e a Sicília. Os Países Baixos são o que há de mais "ácido", Flandres ainda mais que a região flamenga. A Alemanha é à base do araque. Há, aí, que ir mais pelo padrão psicofisiológico que pelo geográfico.

        Desconfie-se, em princípio, de mulheres com muita sarda ou tache-de-rousseur. Há exceções, é claro; mas vejam só Betty Davis, * * que é de dar dor na dentina. É bom também andar um pouco precavido com mulheres, louras ou morenas, levemente dentuças. Acidez quase certa.

        Felizmente, a grande maioria é constituída de "básicas", para bem de todos e felicidade geral da nação. Sobretudo no Brasil, felizmente liberto, desde alguns meses, da sua "ácida número um" - aliás de outras plagas, diga-se, o peito inchado do mais justo orgulho nacional.

        * O autor congratula-se consigo mesmo de haver escrito, há dez anos, urna verdade que resulta em tão graciosa homenagem póstuma à grande estrela americana.
**Poderia ser substituída, atualmente, pela atriz Doris Day

       OUTRA ANÁLISE

         Felizmente, a grande maioria é constituída de "básicas", para bem de todos e felicidade geral da nação. Sobretudo no Brasil, felizmente liberto, desde alguns meses, da sua "ácida número um" - aliás de outras plagas, diga-se, o peito inchado do mais justo orgulho nacional. 

   *No texto, o autor faz criticas às mulheres ácidas, comparando-as com as substâncias encontradas na Química.O autor faz referência à mulher ácida (aquele tipo de mulher que é mais complicada, mais difícil de engolir) e à mulher básica (aquela que é mais fácil de ser decifrada). Mas antes de tudo ele faz uma listagem de vários tipos de mulheres que estão englobadas em diversas categorias. 
     Marcus Vinícius da Cruz e Mello Moraes nasceu em 1913 no bairro da 
Gávea, no Rio de Janeiro. Mudou-se com a família para o bairro de Botafogo em 1916, onde iniciou os seus estudos na Escola Primária Afrânio Peixoto, onde já demonstrava interesse em escrever poesias.
         Poeta essencialmente lírico, também conhecido como um boêmio inveterado, fumante e apreciador de
uísque. Era também conhecido por ser um grande conquistador. Casou-se por nove vezes ao longo de sua vida. Sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. No campo musical teve como principais parceiros: Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra que tiveram uma grande influência na Bossa Nova.
Por:Gabriel Freir

Uma 3ª Análise

Vinicius de Moraes - Antologia Poética (2): Análise da obra

Devido a certas semelhanças, Bach pode nos levar a Vinicius.

Foi em Eisenach, pequena cidade da Turíngia, na Alemanha central, que, em 1685, nasceu 
Johann Sebastian Bach. Ali passou os primeiros anos de sua infância, iniciou sua escolarização e recebeu as primeiras noções de música, tomando aulas de violino com o pai, Johann Ambrosius Bach - músico da corte municipal -, e de cravo e órgão, com o tio Johann Christoph.

Johann Sebastian era ainda uma criança quando deixou a cidade natal para percorrer os tortuosos caminhos que o levariam à imortalidade...

Quanto ao nosso poeta, foi em 1913, na cidade do Rio de Janeiro, que nasceu, em meio a um forte temporal, 
Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes, filho de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, funcionário da Prefeitura, poeta (amigo deOlavo Bilac), violonista e cantor de modinhas, que iniciaria Vinicius na música. O tio mais moço, boêmio e seresteiro, também exerceu forte influência sobre ele. Além de sua mãe, Lydia Cruz, e o avô, que eram hábeis pianistas.

Como é possível notar, nascido no seio de uma família de músicos (e de poetas!), Vinicius, tal como Bach, terá forte presença dessa arte superior, que é a música, por toda sua vida.

Além dessas semelhanças, no mínimo curiosas, há algo maior que o liga ao mestre de Eisenach. Dentre os parceiros de Vinicius (...e eles não são poucos. Só para citar os mais conhecidos: irmãos Tapajós, Paulinho Soledade, Vadico, Pixinguinha,
Adoniran Barbosa, Carlos Lyra, Baden Powell, Francis Hime, Villa-Lobos, Chico Buarque, Tom Jobim, Toquinho etc.), Bach foi o mais inusitado de todos porque, obviamente, já estava morto e jamais tomou conhecimento de tal negócio! Em 1961, a Banda do Corpo de Bombeiros fluminense gravou "Rancho das Flores", marcha-rancho com versos do poeta sobre tema de "Jesus, Alegria dos Homens", do compositor clássico alemão.

Vinicius de Moraes foi diplomata, músico, boêmio, advogado, crítico de cinema e, sobretudo, poeta, que se auto-intitulava o "branco mais preto do Brasil".

Um crítico certa vez disse que Vinicius era um homem plural, e que essa pluralidade era percebida nas várias atividades que o poeta desenvolveu, nos vários amores que teve (seus biógrafos afirmam que teve, oficialmente, 9 mulheres), e no próprio nome: Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes.

Como diplomata, ele residiu em várias capitais do mundo. Além de formado em Direito, foi agraciado com a primeira bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford.


O que é uma antologia

Antes de qualquer coisa é preciso definir o que vem a ser "antologia". Antologia significa, etimologicamente, "coletânea de flores"; o termo remete à ideia de escolha, coleção. Sendo assim, antologia é uma coleção de trabalhos literários; neste caso, coleção de trabalhos poéticos.

A importância de se ler uma obra como esta ("Antologia Poética") está no fato de que estamos tendo contato com uma seleção de poemas feita pelo próprio autor. 

A divisão da obra de Vinicius

A obra poética de Vinícius de Moraes é tradicionalmente dividida pela crítica em três fases distintas.

A primeira inicia-se em 1933 e abrange os livros O caminho para a distância (1933);Forma e exegese (1935); Ariana, a mulher (1936). Nesse período encontramos um poeta místico, que escrevia versos longos, de tom bíblico-romântico, de espiritualidade católica e visionária. O próprio poeta caracterizou esta fase como "o sentimento do sublime". Na "Advertência" à sua Antologia Poética ele afirmava que "a primeira [fase], transcendental, frequentemente mística, [era] resultante de sua fase cristã".

A segunda fase (ou como se costuma dizer: o segundo Vinicius) tem início emCinco Elegias, de 1943. O novo tom, a nova linguagem, as novas formas e temas, que vinham desde Novos poemas, de 1933, intensificam-se e diversificam-se nos livros posteriores - Poemas, sonetos e baladas (1946) e Novos poemas II (1959) -, em que se mostram tanto as formas clássicas (soneto de tradição camoniana e shakespeariana) quanto a poesia livre (em "A última elegia", os versos têm forma de serpente). O poeta sente-se à vontade para inventar palavras, muitas vezes bilíngues, ou praticar a oralidade maliciosa.

Por haver nessa fase uma renúncia à superstição e ao purismo fortemente presentes na primeira, bem como um direcionamento para uma atitude mais brincalhona e amorosa perante a poesia, essa segunda fase ficou conhecida como "O encontro do cotidiano pelo poeta".

Nessa passagem do metafísico para o físico, do espiritual para o sensual, do sublime para o cotidiano, o poeta retoma sugestões românticas (como lua, cidade, samba). Refugia-se no erotismo: há contemplação do amor, poemas "sobre a mulher" e adoração panteística da natureza. Compôs também poemas de indignação social, cujos exemplares são: "Balada dos mortos dos campos de concentração", "O operário em construção" e "A rosa de Hiroxima".

O terceiro Vinicius é o compositor, letrista e cantor. Autor de mais de trezentas músicas (como atesta seu Livro de letras, lançado postumamente, em 1991, onde estão mais de 300 letras de músicas de sua autoria), difundidas pelo mundo com o grande acontecimento cultural e musical que foi a bossa nova. Seus parceiros, como vimos, vão desde Bach a Toquinho.

Embora a crítica fizesse (faça) tal divisão, colocando de um lado o poeta e de outro o showman, Vinicius nunca concordou que houvesse diferença entre seus sambas e seus poemas escritos, pois para ele tudo era igual.

Escrito e postado por: Jorge Viana de Moraes, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação 24/03/20 16h48


Poética Poema de Manuel Bandeira

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja 
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

         Este poema belíssimo, de Manuel Bandeira — Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira, fone (021)286.78.22, Brasil — foram inspiração (e homenagem a ele) para Soares Feitosa, "in" Do Belo-Belo.


ANÁLISE DO POEMA

Desde a primeira leitura, percebe-se que a Poética tem vínculos com a estética modernista. É possível reconhecer pela estrutura poética a utilização de versos livres, de reiterações, de imagens que negam os valores ultrapassados das estéticas anteriores, de supressão da pontuação, etc. Todas estas formas traduzem a liberdade plena de forma, defendida pelos modernistas. O que caracteriza o versolivrismo aqui é uma mudança de atitude e também de crítica : a sílaba deixa de ser a unidade de medida e a combinação de pausas e entoações passa a ser fator relevante. 
Bandeira emprega várias imagens para iniciar o processo de negação dos valores poéticos do passado e depois de defesa de um lirismo libertador; imagens que são modeladas em linguagem cotidiana e que estão baseadas na associação destas idéias de modo a despertar o interesse por uma atualização da inteligência artística . O poema Poética de Manuel Bandeira é um dos paradigmas da estética modernista e uma das mais conhecidas bandeiras de luta dos modernistas por esta atualização poética. Podemos dividir o poema em duas macro partes: repulsa dos elementos normativos e da ordem que transformam a arte em ato burocrático e pregação de um lirismo espontâneo, sem censuras e repressões. 

             Leia a bela introdução do poeta ao deixar claro o caratér contestatório de seu poema através do uso de reiterações que marcam uma ruptura, um descontentamento com o tipo de lírica utilizada dado pela fastidiosa repetição do “estou farto”.

Estou farto do lirismo comedido ...
Estou farto do lirismo que pára ...
Estou farto do lirismo namorador...
A atitude do poeta mostra-se mais subversiva quando retoma novamente o “estou farto ... de todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.” A utilização do pronome “todo” reforça a idéia de negação a tudo que não seja o lirismo que não é libertação. Novamente, o poeta distancia-se dos valores tradicionais e nega por completo as manifestações líricas que limitam a liberdade poética com expressões como “abaixo os puristas” , “de resto não é lirismo”, “não quero mais” .
Para expressar mais ainda sua insatisfação, o poeta incorpora elementos estereotipados das estéticas anteriores para ironiza-las, utilizando expressões científicas e imagens típicas do cotidiano moderno. As referências aos “lirismo comedido e bem comportado” , “lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo” e “abaixo os puristas” manifestam um desagrado do poeta com relação às valores estéticos formais de composição, típicos da estética parnasiana, no qual a rigidez controla a criação poética e faz com o que o poeta pare para verificar um vocábulo no dicionário . O lirismo contido e racional como uma fórmula matemática que o autor critica também ao revelar que este lirismo “será contabilidade tabela de co-senos” e um lirismo como forma já pré-estabelecida, sem criatividade “... secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.” Esta enumeração sem vírgulas e a utilização da abreviatura têm o objetivo de ironizar , já que o poeta suprime as demais enumerações de tipos de lirismos automatizados que existem e que ele dispensa que sejam relatados.
O próprio Mario de Andrade em seu “Prefácio Interessantíssimo”comenta que o poeta tem que ter uma postura inconsciente e inesperada ao compor sua obra, tem que dar liberdade à impulsão lírica :

“ Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar o que o meu inconsciente me grita. Penso depois ... 
Manuel Bandeira defende a necessidade da “impulsão lírica” que Mário de Andrade comenta ; só que utiliza a negação aos valores puristas de composição para afirmar a necessidade de uma poética de liberdade. Critica os procedimentos mecânicos adotados pelos seguidores de uma poética de ordem . Os puristas são tratados com tom áspero e demolidor :

“Abaixo os puristas...”

Convém salientar que a atitude de Bandeira utilizada em todo o poema para ironizar os valores estéticos , que destroem a originalidade , é recorrer a estereótipos que limitam a criação poética , que se caracterizam por racionais, burocráticos, bajulatórios e formais. “Estou farto (....) do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor ...”. O poeta utiliza uma personagem tipicamente modernista, protagonista das cidades : a figura do funcionário público que trabalha em um ambiente burocrático e que apresenta em seu cotidiano uma série de formalidades que devem ser cumpridas como livro de ponto , expediente rígido e protocolo . Este tipo de lirismo é cada vez mais parodiado quando Bandeira diz que ainda é um lirismo de “manifestações de apreço ao sr. Diretor” . Esta última expressão carrega uma carga de humor e fornece uma característica bastante comum do desenvolvimento histórico do Brasil , que é o clientelismo político , cujos cargos públicos são conseguidos e/ou mantidos em troca de favores , votos recebidos e bajulações ao “sr. Diretor”. Este lirismo condenado por Bandeira é justamente aquele cujo indivíduo prefere ter uma posição de subalternidade , de bajulação à ordem vigente e de obediência à máquina burocratizante a ter como centro motivador a si mesmo.
Outra estética que Bandeira ironiza no poema é a romântica: o lirismo namorador, político, raquítico e sifilítico. Ao utilizar as formas adjetivas citadas , o poeta caracteriza os principais aspectos abordados pelos poetas românticos e com a forma verbal reafirma novamente que está farto deste tipo de lirismo também.

- Namorador : amor extremo e idealizado e sentimentalismo. - Político : amor à Pátria e o engajamento político dos poetas - Raquítico e sifilítico: o apego à solidão, ao ambiente noturno, ao “mal do século romântico” que os deixam em um estado doentio, debilitado. 
No próximo post, a parte 2 de Poética com os comentários sobre o lirismo libertador.
Inté!
30/10/2024 – 20:10Hs


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