terça-feira, 4 de junho de 2024

O Discurso da Servidão Voluntária, de Etienne de La Boétie. - Resumo



Discurso Sobre a Servidão Voluntária



Etienne de La Boétie

Palavras iniciais



Etienne de La Boétie morreu aos 33 anos de idade, em 1563. Ela deixou sonetos, traduções de Xenofonte e Plutarco e o Discurso Sobre a Servidão Voluntária, o primeiro e um dos mais vibrantes hinos à liberdade dentre os que já se escreveram.

         Toda a sua obra ficou como legado ao filósofo Montaigne (1533 – 1592), seu amigo pessoal que, diante de uma primeira publicação – pirata – do Discurso em 1571, viu-se obrigado a se pronunciar a respeito da Obra, que procura minimizar em seus efeitos apodando-lhe o epíteto de “obra de infância” e “mero exercício intelectual”. Montaigne, com todo o seu inegável brilho intelectual, era um Homem do Estado e disso não escapava.

         Entre muitos pontos importantes e relevantes do Discurso em si, ressalta-se:

_ O poder que um só homem exerce sobre os outros é ilegítimo.
_ A preferência pela república em detrimento da monarquia.
_ As crenças religiosas são frequentemente usadas pelas monarquias para manter o povo sob sujeição e jugo.
_ Etienne de La Boétie afirma no Discurso a liberdade e a igualdade de todos os homens na dimensão política.
_ Evidencia, pela primeira vez na história, a força da opinião pública.
_ Repele todas as formas de demagogia.
_ Incursionando pioneiramente pelo que mais tarde ficará conhecido como psicologia de massas, informa da irracionalidade da servidão, desde o título provocativo da Obra, indicada como uma espécie de vício, de doença coletiva.
         O Discurso, que no século XVI Montaigne considerava difícil prefaciar, hoje em dia é ainda tristemente atual.
         O ser humano encontra-se em amarras auto-infligidas por toda a parte. Como dizia Manuel J. Gomes, importante tradutor de La Boétie para o português:
         “Se em 1600 era tarefa difícil escrever um prefácio a La Boétie, hoje não é mais fácil. Hoje como nos tempos de La Boétie e Montaigne, a alienação é demasiado doce (como um refrigerante) e a liberdade demasiado amarga, porque está demasiado próxima da solidão. Elogio da loucura.”

    Como todos sabem eu sou an English Teacher, then I don't know anything about Phylosophy, por este motivo tenho de me valer do trabalho de outros professores para proporcionar-lhes um pouco mais de comodidade.

     A resenha a seguir foi obtida a partir do site:

http://jrparoge.blogspot.com.br/




O Discurso da Servidão Voluntária passo a passo.

José Rogério de Pinho Andrade

O livro começa apresentando uma citação da Ilíada de Homero que diz
Não é bom ter vários senhores.
Um só seja o senhor, um só seja o rei.

Étienne de La Boétie analisa a afirmação e considera que nela há uma contradição, pois se a dominação de muitos não é boa, a de um só também não é, pois “o poder de um só, quando adota o título de soberano, torna-se duro e irracional”. (LA BOÉTIE, 2009, p.29)
E acrescenta que “é a maior desgraça estar sujeito a um soberano de cuja bondade nunca se pode ter certeza e que tem sempre o poder de ser mau quando quiser. E ter vários senhores é ser tantas outras vezes extremamente infeliz”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 29)
No livro o autor não tem como objetivo discutir se as outras formas de República são melhores que as monarquias e aponta uma desconfiança quanto a acreditar que possa haver algo de público em um governo no qual tudo depende de um só. Assim, seu objetivo principal é
entender como tantos homens, tantos burgos, tantas cidades e tantas nações suportam às vezes de um tirano só, que não tem mais poder do que o que lhe dão, que só pode prejudicá-los enquanto quiserem suportá-lo a contradizê-lo. (LA BOÉTIE, 2009, p. 30)

Tal situação, para o autor, é admirável, mais de tão comum, torna-se lastimável
[...] ver um milhão de homens servir miseravelmente e dobrar a cabeça sob o jugo, não que sejam obrigados a isso por uma força que se imponha, mas porque ficam fascinados e por assim dizer enfeitiçados somente pelo nome de um, que não deveriam temer, pois ele é um só, nem amar, pois é desumano e cruel com todos. (LA BOÉTIE, 2009, p. 30)

Encerra esta primeira seção do texto enfatizando a fraqueza dos homens que é a de serem “forçados a obedecer, obrigados a contemporizar, nem sempre podem ser os mais fortes”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 30)

Os deveres recíprocos da amizade absorvem boa parte de nossa vida

Nesta seção o autor abordará a ideia de que os deveres recíprocos da amizade absorvem boa parte de nossa vida e que se os habitantes de um país encontrarem em seu meio alguém que mereça o respeito e a obediência não seria prudente tirá-lo de onde poderia fazer o bem e colocá-lo onde poderia fazer o mal. Assim refere-se ele à amizade
Amar a virtude, estimar as belas ações, ser gratos pelos benefícios recebidos e, muitas vezes, reduzir nosso próprio bem-estar para aumentar a honra e o progresso daqueles que amamos, e que merecem ser amados, é uma correspondência justa à razão. (LA BOÉTIE, 2009, p. 31)

Deste modo entende o filósofo que “parece ser natural ser bom em relação àquele que nos proporcionou o bem e não temer mal algum da parte dele”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 31)
O recurso à amizade é para que o autor possa se questionar como é possível que um grande número de pessoas obedeça e sirva àquele que a tiraniza e, mesmo sofrendo todas as formas de crueldade, não de um exército, contra o qual cada um deveria arriscar a vida para defender-se, mas de um homem só, e nem sendo o mais forte e corajoso dos homens.
O que motivaria tal comportamento seria a covardia daqueles que servem? De alguns poderia ser a condição de não reagirem, mas não da maior e mais numerosa parte. E se não é a covardia que, o que mantém a condição de servidão?

Quais irão com mais coragem ao combate?

Nesta seção o filósofo mostra que a aqueles que lutam para manter a liberdade o fazem com mais coragem do que aqueles que o fazem por razões financeiras. Os primeiros “têm sempre diante dos olhos a felicidade de sua vida passada e a expectativa de um bem-estar igual no futuro”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 33) Quanto aos do segundo tipo, só possuem como estimulo a cobiça que se dissipa diante do perigo. O autor apresenta como exemplos de que a luta para preservar a liberdade é a mais significativa delas os generais atenienses Milcíades (Batalha de Maratona) e Temístocles (Batalha de Salamina), e o espartano Leônidas (Batalha das Termópilas). Enfatiza a bravura destes lutadores inspirada na liberdade.
La Boétie (2009, p. 34) destaca ainda nesta seção que não é preciso combater e nem derrubar àquele que tiraniza, “ele se destrói sozinho, se o país não consentir com a sua servidão”. O posicionamento do filósofo é o de que os próprios povos se deixam mal-tratar e que seriam livres se deixassem de servir: “É o próprio povo que se escraviza e se suicida quando, podendo escolher entre ser submisso ou ser livre renuncia à liberdade e aceita o jugo; quando consente com seu sofrimento, ou melhor, o procura”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 34)
Ele encerra esta seção reforçando que a liberdade é um direito natural, o mais caro de todos eles, mas se mostra cético quanto ao fato de que os homens lutem por sua própria liberdade. “Não existe nada mais caro para o homem do que readquirir o seu direito natural e, por assim dizer, de animal voltar a ser homem. Contudo, não espero dele ousadia tão grande”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 340

Mais arruínam e destroem quanto mais é dado a eles

Assim como o fogo que cresce à medida que encontra combustível para alimentá-lo, age o tirano. Para extinguir o fogo, é suficiente não alimentá-lo com combustível, o mesmo poderia ser feito com os tiranos. La Boétie considera que
[...] os tiranos quanto mais pilham mais exigem. Mais arruínam e destroem quanto mais é dado a eles. Quanto mais servidos mais se fortalecem e se tornam cada vez mais fortes e dispostos a aniquilar e destruir tudo. Mas basta não lhes dar nada e não lhes obedecer, sem combatê-los ou atacá-los, e eles ficam nus e são derrotados, e não são mais nada [...]. (LA BOÉTIE, 2009, p. 35)

O autor enfatiza, ainda, que os homens ousados e prudentes não temem e nem regateiam nenhum esforço para conseguir o bem que desejam, já “os covardes e os preguiçosos não sabem suportar o mal nem recuperar o bem. Limitam-se a desejá-lo e a energia de sua pretensão lhes é tirada por sua própria covardia”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 35) Acrescenta que esse desejo que é comum aos sábios e aos imprudentes, aos corajosos e aos covardes, fez com que desejassem todas as coisas cuja posse os tornaria felizes e contentes. No entanto, o mesmo não acontece com a liberdade, o que incompreensivelmente, os homens “não têm sequer força para desejar”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 35) O autor considera que os homens apenas desdenham da liberdade porque a teriam se a desejassem, isto é, como obter a liberdade é fácil demais, parece que se recusam a obtê-la.
Viveis de tal maneira que não podeis gabar-vos de algo que vos pertence.

Nesta seção o autor se refere à insensatez das pessoas e das nações quando se trata da própria felicidade. Deixam-se pilhar os seus bens e parecem que olham com grande sorte terem-lhes deixado apenas metade de seus bens e de sua vida, e tudo isto como obra de uma única pessoa, o tirano.
Então, o filósofo reforça a ideia de que o tirano possui a mais do que aqueles a quem oprime apenas os meios da opressão e que foram dados a eles pelos próprios oprimidos. Quem oferece os bens a serem pilhados e as condições para a atuação do tirano, são os próprios indivíduos e nações, então é deles que pode vir a solução que consiste em não mais servirem ao tirano, como ele diz
Sede resolutos em não querer servir mais e sereis livre. Não vos peço que o enfrenteis ou o abaleis, mas somente que não o sustenteis mais, e o vereis, como grande colosso do qual se retirou a base, despencar e despedaçar-se debaixo do próprio peso. (LA BOÉTIE, 2009, p. 37)

E ele encerra a seção reforçando o objetivo do texto que é “compreender, se for possível, como essa vontade obstinada de servir criou raízes tão profundas que se julgaria que o próprio amor à liberdade não é tão natural”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 37)

Somos todos companheiros, ou melhor, todos irmãos.

O autor inicia esta seção afirmando que se vivêssemos de acordo com os direitos e ensinamentos da natureza, “seríamos naturalmente obedientes aos pais, sujeito à razão, e não seríamos escravos de ninguém”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 37) A tese do autor é de que há entre os homens uma igualdade natural e que as diferenças existentes naturalmente não justificam a opressão, mas sim a fraternidade:
Se há algo claro e evidente, ao qual ninguém pode ficar cego, é que a natureza, ministra de Deus e governante dos homens, criou todos nós da mesma forma e, ao que parece, na mesma fôrma, para nos mostrar que somos todos companheiros, ou melhor, todos irmãos. [...] ao conferir partes maiores a uns e menores a outros, quis dar espaço à afeição fraterna para que ela tivesse onde ser praticada, pois uns têm o poder de prestar ajuda, enquanto outros necessitam recebê-la”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 38)

Assim, não há de se justificar a opressão pelo discurso da desigualdade natural, pois, segundo o autor, “não pode entrar no entendimento de ninguém que a natureza tenha posto alguém em servidão, porque ela nos reuniu a todos em companhia”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 38)
Também seria inócuo debater se a liberdade é natural, pois La Boétie (2009, p. 38-39) entende que manter alguém em opressão é impossível sem prejudicá-lo, e nada é mais contrário à razão do que a injustiça. E conclui que a liberdade é natural e nascemos também com a paixão para defendê-la, o que se pode verificar pelo comportamento dos animais que lutam e reagem quando se tornam prisioneiros, se debilitam e continuam a viver para lamentar seu bem-estar perdido, ou ainda se deixam morrer para não sobreviverem à perda de sua liberdade natural.
Ele utiliza-se da analogia com o comportamento animal diante de uma opressão para reforçar o seu questionamento de como pode o homem, contrariando a própria natureza, suportar a opressão. Em suas palavras
[...] se todo ser dotado de sentimento sente o peso da sujeição e busca a liberdade; se os animais, mesmo postos a serviço do homem, não conseguem acostumar-se a servir a não ser depois de protestar com um desejo contrário, que fatalidade pôde perverter a natureza do homem, o único que nasceu para viver livre, a ponto de fazê-lo perder a memória de seu ser primitivo e o desejo de recuperá-lo?

Sugam com o leite a natureza do tirano

Nesta seção La Boétie (2009, p. 40) abordará os tipos de tiranos e como alcançam o poder. Ele inicia a seção afirmando que há três tipos de tiranos: uns adquirem o poder por eleição, outros pela força das armas e, por fim, os que o adquirem por sucessão hereditária.
Aqueles que adquirem “o poder pelo direito da guerra se comportam como se estivessem em país conquistado. Os que nascem reis geralmente não são melhores”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 40) Aqueles a quem o povo entregou o poder pareceriam mais suportáveis, mas tão logo se vê acima de todos, considera que o poder conferido pelo povo deve ser transmitido aos seus filhos e, deste modo, “superam os outros tiranos em todos os tipos de vícios, e mesmo em crueldade” e passam a assegurar a tirania reforçando a servidão e afastando os seus súditos da liberdade, que logo se apagará da memória.
Há pouca diferença entre estes tiranos, mas de opção nenhuma, eles chegam ao trono por meios diversos, mas a maneira de reinar é quase sempre a mesma “Os que são eleitos, tratam o povo como touros a serem domados, os conquistadores como sua presa, os sucessores como um bando de escravos que lhes pertencem por natureza”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 41)
Ele encerra esta seção afirmando que “para que os homens, enquanto conservam algo de humano, se deixem sujeitar, é preciso que sejam forçados ou enganados”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 41) Quando por engano, com frequência são seduzidos e enganados por si mesmos.

Não só perdeu a liberdade, mas ganhou a servidão

O autor inicia esta seção estarrecido “em ver como o povo, quando é submetido, cai de repente num esquecimento tão profundo de sua liberdade, que não consegue despertar para reconquistá-la”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 42) Não apenas perde a liberdade, mas ganha a servidão.
Inicialmente obedecem pela força, mas posteriormente servem sem relutância e fazem voluntariamente o que seus antepassados fizeram por imposição
Os homens nascidos sob o jugo, depois alimentados e educados na servidão, sem olhar mais à frente, contentam-se em viver como nasceram e não pensam que têm outros bens e outros direitos a não ser os que encontraram. Chegam finalmente a persuadir-se de que a condição de seu nascimento é natural. (LA BOÉTIE, 2009, p. 43)

La Boétie (2009, p. 43) atribui à força do hábito a responsabilidade da servidão e da opressão, ele chega mesmo a impor-se à própria natureza: “As sementes do bem que a natureza coloca em nós são tão miúdas e frágeis que não podem resistir ao menor choque de um hábito contrário”.

Experimentaste o favor do rei, mas não sabes o gosto da liberdade

Nesta seção La Boétie (2009, p. 47) reforçará a ideia de que universalmente “a sujeição é detestável e a liberdade é cara”. Mas que se deve ter piedade daqueles que já nasceram sob o jugo e a opressão, se deve perdoá-los ou desculpá-los, pois “não tendo sequer visto a sombra da liberdade e não tendo ouvido falar dela, não se dão conta do mal de serem escravos”.
O autor apresenta, então, a primeira razão da servidão voluntária que é o hábito. O que expressa as suas palavras: “O homem é naturalmente livre e quer sê-lo, mas sua natureza é tal que se amolda facilmente à educação que recebe”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 48)
No entanto, o hábito não legitima a opressão, na verdade com o passar dos anos, aumenta a injúria. Assim, sempre há aqueles que nunca deixam de pensar na liberdade, pois dotados de um espírito claro e evidente, não se contentam como os demais, o populacho. Para eles, a liberdade é sentida em seu espírito e a saboreiam, enquanto a servidão lhes causa repugnância.

O Tirano os priva de toda liberdade, não só de falar e de agir, mas até de pensar.

La Boétie (2009, p. 49) considera que outra maneira de se efetivar a opressão é privando os súditos de “toda liberdade, não só de falar e de agir, mas até de pensar”, pois “os livros e a instrução dão mais que qualquer outra coisa aos homens o bom senso e o entendimento para se reconhecerem e odiarem a tirania”. Sem conhecimento e reconhecimento entre si, mesmo em grande número, aqueles que se devotam à liberdade perdem a eficácia de sua ação.
Ele encerra este tópico destacando a segunda razão pela qual os homens servem voluntariamente. Ela está intimamente ligada à primeira razão, que é o fato de nascerem os homens servos e serem educados como tais e “sob os tiranos, os homens se tornam facilmente covardes efeminados”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 51) Para ele, as pessoas submissas não têm brio e nem entusiasmo no combate, o mesmo não acontece com os homens livres que “disputam a preferência em lutar pelo bem comum, porque associam a ele seu interesse particular: todos esperam ter sua parte no mal da derrota ou no bem da vitória”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 52)

Os tiranos, prejudicando a todos, são obrigados a temer todo o mundo

Utilizando-se do livro do historiador grego Xenofonte (Hierão, ou Os deveres de um rei) que “descreve a punição que sofrem os tiranos que, prejudicando a todos, são obrigados a temer todo o mundo” (LA BOÉTIE, 2009, p. 52-53), o filósofo reforça a sua tese de que o tirano só sente assegurado o seu poder quando somente lhe resta como súditos homens sem valor, isto é, homens “efeminados” e ignorantes, pois “esta é a inclinação natural do povo ignorante, cujo número é cada vez maior nas cidades: desconfia daquele que o ama e acredita naquele que o engana”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 54)

 Os meios que os tiranos empregavam para entorpecer seus súditos sob o jugo

Os tiranos antigos utilizavam-se de jogos e espetáculos, passatempos de diversos tipos para manter sob o seu jugo os seus súditos. Os romanos valiam-se das festas e da distribuição de alimentos. Assim, os súditos homenageavam o rei e por este era ludibriado, pois “os imbecis não percebiam que recuperavam apenas parte do que era seu, e que mesmo a parte que recuperavam o tirano não poderia dar-lhes se, antes, não a tivesse tirado deles mesmos”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 55)

Alguns belos discursos sobre o bem público o interesse geral

Nesta seção La Boétie abordará o papel dos belos discursos na manutenção da tirania. É na realidade um destaque à relação do tirano com os seus súditos por meio dos belos discursos, em especial aqueles de caráter sagrado e misterioso. Assemelha-se ao papel atribuído à ideologia e à religião por Karl Marx. Então, agem os tiranos por meio de discursos que revelam a realidade tal como interessa a eles, e para isto utilizam do mistério, em especial o de caráter religioso, como nos diz La Boétie (2009, p. 58)
Os próprios tiranos achavam estranho que os homens pudessem suportar um homem que os maltratasse. Por isso se cobriam de bom grado com o manto da religião e, se possível, queriam tomar emprestada alguma amostra da divindade para manter sua vida malvada.

Assim, o filósofo aponta uma terceira razão que possibilita a manutenção da servidão e com ela a tirania, a saber, a devoção, como deixa entrever na indagação “[...] não está claro que os tiranos, para se manter, esforçaram-se para acostumar o povo, não só á obediência e à servidão, mas ainda à sua devoção?” (LA BOÉTIE, 2009, p. 61)
No entanto, ele reforça que isto somente é utilizado pelos tiranos “entre o povo miúdo e grosseiro”. Então, La Boétie (2009, p. 61) chega “a um ponto que é [...] a mola mestra e o segredo da dominação, o apoio e o fundamento da tirania”. Este ponto diz respeito àqueles que defendem o tirano, que não são os exércitos, mas apenas quatro ou cinco.

Cúmplices de suas crueldades, companheiros de seus prazeres, favorecedores de suas libidinagens e beneficiários de suas rapinas.
São sempre cinco ou seis que, obtendo a confiança do tirano, se tornam seus cúmplices e aproveitam suas libidinagens e suas rapinas. Diz ele, “Esses seis dominam tão bem seu chefe que ele se torna mau para a sociedade, não só com suas próprias maldades, mas também com as deles”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 62) Eles se multiplicam, adquirem o governo das províncias ou a administração do dinheiro público e os exercem para benefício próprio, como isenção das leis e das punições. Assim, La Boétie reforça a argumentação de que a tirania se mantém porque beneficia a muitos outros, além do próprio tirano, como nos diz o filósofo “[...] com os ganhos e favores que se recebem dos tiranos, chega-se ao ponto em que são quase tão numerosos aqueles para os quais a tirania parece proveitosa quanto aqueles para quem a liberdade seria agradável”. (2009, p. 62)
E encerra esta seção afirmando que no entorno do tirano reúne-se toda a escória para apoiá-lo e “para participar do butim e se tornar pequenos tiranos sob o grande tirano”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 63)

É assim que o tirano subjuga os súditos uns por meio dos outros.

A tirania se estabelece por meio uns dos outros, isto é, o tirano não a exerce sozinho, pois conta com a ajuda daqueles que desejam beneficiar-se da convivência com ele. É assim, também que ele se protege contra aqueles a quem deveria precaver-se.
Os bajuladores do tirano não estão livres da opressão, mas “infelizes e abandonados por Deus e pelos homens se contentam em suportar o mal e em fazê-lo, não àquele que o fez a eles, mas àqueles que, como eles, estão condenados a sofrê-lo e nada podem fazer”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 64) Para o filósofo aproximar-se do tirano é afastar-se cada vez mais da liberdade e abraçar-se à servidão. Aqueles que estão mais próximos do tirano, são mais infelizes do que os camponeses e os artesões, pois estes não são obrigados a cumprir o que lhes é imposto.
Do lado do tirano, há a desconfiança com relação àqueles que o cercam e o bajulam, ele “vê os que o cercam como pessoas que trapaceiam e mendigam seus favores”. Tais pessoas são mais infelizes porque se anulam diante do que deseja e precisa o tirano, chegam mesmo a se atormentarem e trabalhar pelos interesses dele “E, já que só sentem prazer com o que lhe dá prazer, precisam sacrificar seu gosto pelo dele, forçar seu temperamento e renunciar até seus afetos naturais”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 64) O questionamento do filósofo é se é possível chamar isso de vida? E se há condição mais miserável do que esta, viver “não tendo nada de seu e dependendo do outro quanto à sua satisfação, sua liberdade, seu corpo e sua própria vida?” (LA BOÉTIE, 2009, p. 65)
Esta passagem do texto, reforça o entendimento do autor de mais uma razão para submeter-se à opressão, qual seja, os bajuladores “querem servir para acumular bens, como se não pudessem ganhar nada que não fosse deles, pois nem sequer podem dizer que são donos de si mesmos”, assim “querem tornar-se possuidores de bens, esquecendo-se de que são eles que lhe dão a força para tirar tudo de todos e não deixar nada que se possa dizer que seja de alguém”, mas eles vêem que “são os bens que tornam os homens mais dependentes de sua crueldade, que para ele não há crime mais digno de morte do que a riqueza”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 65) É o desejo de querer e possuir que alimenta a opressão e a tirania.
Mas os bajuladores não podem esquecer que não estão livres da opressão e da tirania, a sua condição de proximidade do tirano não lhes dá isenção do poder dele, pois muitos foram esmagados por tal opressão. Como nos diz o filósofo
Entre o grande número daqueles que se encontram próximos de reis maus, foram poucos, para não dizer quase nenhum, os que não experimentaram eles mesmos a crueldade do tirano, que antes estimularam contra outros. Muitas vezes enriquecidos à sobra de seu favor com os despojos alheios, no fim o enriqueceram eles mesmos com seus próprios despojos. (LA BOÉTIE, 2009, p. 65-66)

Essas pessoas de bem não poderiam manter-se junto ao tirano
  
As pessoas de bem não poderiam manter-se junto ao tirano, pois se ressentiriam do mal comum e experimentariam em si mesmas a tirania. Com exemplos o filósofo mostra que o tirano não é digno de confiança e que não é capaz de oferecer amizade, pois tem o “coração tão duro capaz de odiar todo um reino que não faz senão obedecer-lhe, e de um ser que, não sabendo amar, empobrece a si mesmo e destrói seu próprio império”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 66-67)
Com exemplos históricos, como o de Nero e do imperador Cláudio, o filósofo demonstra que aqueles que caem na graça do tirano e se mantêm por suas maldades acabam não durando mais. Como não sabem fazer o bem, os tiranos dirigem a sua opressão e maldade contra aqueles que estão próximos e, por isto mesmo, quase todos os tiranos antigos foram mortos por seus favoritos, pois “conhecendo a natureza da tirania, estes não estavam seguros a respeito da vontade do tirano e desconfiavam de seu poder”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 68)

O tirano nunca ama e nunca é amado

La Boétie entende que
a amizade é um sentimento sagrado [...]. Nasce da estima mútua e se alimenta não tanto dos benefícios quanto dos bons costumes. O que dá a um amigo a certeza da amizade do outro é o conhecimento de sua integridade. Tem como garantias sua bondade natural, sua felicidade, sua constância. (LA BOÉTIE, 2009, p. 69)

E, por isto mesmo, é que não é possível haver amizade a partir daqueles e entre aqueles que são cruéis, desleais e injustos. Como ensina o filósofo: “Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma sociedade. Não se amam, não se temem. Não são amigos, mas cúmplices”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 69)
Não seria possível encontrar um amor sincero em um tirano, pois já encontrando-se “acima de todos e não tendo companheiros, já está além dos limites da amizade. Esta floresce na igualdade, desenvolve-se sempre igual e nunca pode claudicar”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 69)
Os favoritos do tirano não podem contar com ele porque aprenderam que ele pode tudo, que não está sujeito a nenhuma obrigação e a nenhuma lei, mas tão somente à sua própria vontade e, por fim, não têm nenhum companheiro, pois é senhor de todos.
Com estas colocações, o filósofo lamenta que, “com tantos exemplos evidentes, sabendo que o perigo está tão presente, ninguém queira tirar a lição das misérias de outros e que tantas pessoas se aproximem ainda tão naturalmente dos tiranos?” (LA BOÉTIE, 2009, p. 69)

Mostrar sempre um rosto sorridente quando o coração está apreensivo

Ainda se referindo aos bajuladores, La Boétie (2009, p. 70) inicia a seção considerando que estes aproximam-se do tirano sem se darem conta de sua própria consumação. No entanto, se conseguirem livrar-se do senhor a que serviam, caem nas mãos do novo rei: “Se for bom, é preciso então lhe prestar contas e submeter-se finalmente à razão. Se for mau como o seu antecessor, não pode deixar de ter também seus favoritos que, geralmente, não contentes em ocupar o lugar dos outros, tiram-lhes também, na maioria das vezes seus bens e suas vidas”.
Como a situação não é de amizade, pois baseada na desconfiança, o filósofo entende que ela é o castigo e martírio que pode haver, pois há de se passar dias e noites “imaginando maneiras diferentes de agradar” ao tirano, bem como manter-se alerta e suspeitar de todos, além do mais, fingir sobriedade e sorrir quando a situação é de apreensão e medo. Não pode estar alegre, nem ousar estar triste. (LA BOÉTIE, 2009, p. 71)
Já em conclusão de suas ideias, o filósofo afirma que “É realmente um prazer considerar o que lhes reverte desse grande tormento, e ver o bem que podem esperar dos sofrimentos de uma vida tão miserável”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 71) Compreendendo a vida que levam, os oprimidos aprendem que “geralmente, não é o tirano que o povo acusa do mal que sofre, mas aqueles que o governam”. E continua relatando que são eles conhecidos e recebem do povo insultos, maldições e o escárnio, mesmo depois de sua morte, “as gerações seguintes nunca são tão indolentes que não deslustrem de mil maneiras os nomes desses devoradores de povos com a tinta de mil penas e destrocem sua reputação em mil livros”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 71)
Em seu encerramento, o filósofo conclama a aprendermos a fazer o bem, a agradecermos, para a nossa honra ou por virtude, a Deus e diz acreditar que Ele reserva aos tiranos e seus cúmplices um castigo especial, “pois nada é mais contrário a um Deus bom e clemente que a tirania”. (LA BOÉTIE, 2009, p. 72)


Bibliografia Consultada e Referência Bibliográfica

CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia: ensino médio, volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 507.

LA BOÉTIE, Étienne. Discurso da servidão voluntária: texto integral. Tradução Casemiro Linarth. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 72. (Coleção a obra-prima de cada autor; vol. 304)

OLIVEIRA, Eleusa Gomes de. A Servidão Voluntária: resumo. Universidade Estadual de Goiás. Goiás, 2006. Disponível: Acesso em: 6 de ago. 2011.

Sítios na internet:

http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tienne_de_La_Bo%C3%A9tie. Acesso em: 27 jul. 2011

http://sturmydrang.blogspot.com/2008/03/resenha-do-discurso-da-servido.html. Acesso em: Data: 29 jul 2011.
http://pinininho.blogspot.com/2008/06/resumo-do-discurso-da-servido-voluntria.html. Acesso em: 29 jul 2011.
http://aeradopanoptico.blogspot.com/2010/12/resenha-discurso-da-servidao-voluntaria.html. Acesso em: 29 jul 2011.
http://www.esdc.com.br/CSF/artigo_2007_11_Boetie.htm. Acesso em: 29 jul 2011.












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