SELEÇÃO DE POEMAS
GREGÓRIO DE MATOS
GUERRA
Soneto
A cada
canto um grande conselheiro,
Que nos
quer governar cabana, e vinha,
Não sabem
governar sua cozinha,
E podem
governar o mundo inteiro.
Em cada
porta um freqüentado olheiro,
Que a vida
do vizinho, e da vizinha
Pesquisa,
escuta, espreita, e esquadrinha,
Para a
levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos
Mulatos desavergonhados,
Trazidos
pelos pés os homens nobres,
Posta nas
palmas toda a picardia.
Estupendas
usuras nos mercados,
Todos, os
que não furtam, muito pobres,
E eis
aqui a cidade da Bahia.
Epílogos
Que falta
nesta cidade?...................................Verdade
Que mais
por sua desonra ..............................Honra
Falta mais que se lhe
ponha ...........................Vergonha.
O demo a viver
se exponha,
por mais
que a fama a exalta,
numa
cidade, onde falta
Verdade, Honra,
Vergonha.
Quem a pôs
neste socrócio?.................................. Negócio
Quem causa
tal perdição? ................................ Ambição
E o maior desta
loucura?................................. Usura.
Notável
desaventura
de um povo
néscio, e sandeu,
que não
sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição,
Usura.
Quais são
os seus doces objetos?....................... Pretos
Tem outros
bens mais maciços?........................ Mestiços
Quais destes lhe são
mais gratos?...................... Mulatos.
Dou ao
demo os insensatos,
dou ao
demo a gente asnal,
que estima
por cabedal
Pretos,
Mestiços, Mulatos.
Quem faz
os círios mesquinhos?......................... Meirinhos
Quem faz
as farinhas tardas? ...........................Guardas
Quem as tem nos
aposentos? ........................... Sargentos.
Os círios
lá vêm aos centos,
e a terra
fica esfaimando,
porque os
vão atravessando
Meirinhos, Guardas,
Sargentos.
E que
justiça a resguarda? ................................ Bastarda
É grátis
distribuída? ......................................... Vendida
Que tem, que a todos
assusta?............................ Injusta.
Valha-nos
Deus, o que custa,
o que
El-Rei nos dá de graça,
que anda a
justiça na praça
Bastarda, Vendida,
Injusta.
Que vai
pela clerezia? ........................................ Simonia
E pelos
membros da Igreja? ............................. Inveja
Cuidei,
que mais se lhe punha?......................... Unha.
Sazonada
caramunha!
enfim que
na Santa Sé
o que se
pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.
E nos
Frades há manqueiras?........................... Freiras
Em que
ocupam os serões? .............................. Sermões
Não se ocupam em
disputas?............................ Putas.
Com
palavras dissolutas
me
concluis na verdade,
que as
lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões,
e Putas.
O açúcar
já se acabou?..................................... Baixou
E o
dinheiro se extinguiu?............................... Subiu
Logo já convalesceu?
.......................................... Morreu.
À Bahia
aconteceu
o que a um
doente acontece,
cai na
cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e
Morreu.
A Câmara
não acode?...................... ............... Não pode
Pois não
tem todo o poder?.............................. Não quer
É que o governo a
convence? .............,............. Não vence.
Quem haverá que tal pense,
que uma
Câmara tão nobre
por ver-se
mísera, e pobre
Não pode, não quer, não
vence.
Mote
De dous ff
se compõe
esta
cidade a meu ver
um furtar, outro
foder.
Glosa
Recopilou-se
o direito,
e quem o
recopilou
com dous
ff o explicou
por estar
feito, e bem feito:
por bem
Digesto, e Colheito
só com
dous ff o expõe,
e assim
quem os olhos põe
no trato,
que aqui se encerra,
há de
dizer, que esta terra
De dous ff
se compõe.
Se de dous
ff composta
está a
nossa Bahia,
errada a
ortografia
a grande
dano está posta:
eu quero
fazer aposta,
e quero um
tostão perder,
que isso a
há de preverter,
se o
furtar e o foder bem
não são os
ff que tem
Esta
cidade a meu ver.
Provo a
conjetura já
prontamente
como um brinco;
Bahia tem
letras cinco
que são
BAHIA:
logo
ninguém me dirá
que dous
ff chega a ter,
pois
nenhum contém sequer,
salvo se
em boa verdade
são os ff
da cidade
um
furtar, outro foder.
Soneto
Triste
Bahia! oh quão dessemelhante
Estás,
e estou do nosso antigo estado!
Pobre
te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica
te vejo eu já, tu a mi abundante.
A
ti trocou-te a máquina mercante,
Que
em tua larga barra tem entrado,
A
mim foi-me trocando, e tem trocado
Tanto
negócio, e tanto negociante.
Deste
em dar tanto açúcar excelente
Pelas
drogas inúteis, que abelhuda
Simples
aceitas do sagaz Brochote.'
Oh
se quisera Deus, que de repente
Um
dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
À Bahia
Tristes
sucessos, casos lastimosos,
Desgraças
nunca vistas, nem faladas,
São, ó
Haia! vésperas choradas
De outros
que estão por vir mais estranhos:
Sentimo-nos
confusos, e teimosos,
Pois não
damos remédio às já passadas,
Nem
prevemos tampouco as esperadas,
Como que
estamos delas desejosos.
Levou-vos
o dinheiro a má fortuna,
Ficamos
sem tostão, real nem branca,
Macutas,
correão, novelos, molhos:
Ninguém
vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que,
quem o dinheiro nos arranca,
Nos
arranca as mãos, a língua, os olhos.
Romance
Senhora
Dona Bahia,
nobre
e opulenta cidade,
madrasta
dos Naturais,
e
dos Estrangeiros madre.
Dizei-me
por vida vossa,
em
que fundais o ditame
de
exaltar os que aí vêm,
e
abater os que ali nascem?
Se
o fazeis pelo interesse,
de
que os estranhos vos gabem,
isso
os Paisanos fariam
com
duplicadas vantagens.
E
suposto que os louvores
em
boca própria não cabem,
se
tem força esta sentença,
mor
força terá a verdade.
O
certo é, Pátria minha,
que
fostes terra de alarves,
e
inda os ressaibos vos duram
desse
tempo, e dessa idade.
Haverá
duzentos anos,
(nem
tantos podem contar-se)
que
éreis uma aldeia pobre,
e
hoje sois rica cidade.
Então
vos pisavam Índios,
e
vos habitavam cafres,
hoje
chispais fidalguias,
arrojando
personagens.
A
essas personagens vamos,
sobre
elas será o debate,
e
queira Deus, que o vencer-vos
para
envergonhar-vos baste.
Sai
um pobrete de Cristo
de
Portugal, ou do Algarve
cheio
de drogas alheias
para
daí tirar gages."
O
tal foi sota-tendeiro
de
um cristão-novo em tal parte,
que
por aqueles serviços
o
despachou a embarcar-se.
Fez-lhe
uma carregação
entre
amigos, e compadres:
e
ei-lo comissário feito
de
linhas, lonas, beirames.
Entra
pela barra dentro,
dá
fundo, e logo a entornar-se
começa
a bordo da Nau
cum
vestidinho flamante.
Salta
em terra, toma casas,
arma
a botica dos trastes,
em
casa come Baleia,
na
rua entoja manjares.
Vendendo
gato por lebre,
antes
que quatro anos passem,
já
tem tantos mil cruzados,
segundo
afirmam Pasguates.
Começam
a olhar para ele
os
Pais, que já querem dar-1he
Filha, e dote, porque querem
homem, que coma, e não gaste.
Que esse
mal há nos mazombos,
têm tâo
pouca habilidade,
que o seu
dinheiro despendem
para haver
de sustentar-se.
Casa-se o
meu matachim,"
põe duas
Negras, e um Pajem,
uma rede
com dous Minas,
chapéu-de-sol,
casas-grandes.
Entra logo
nos piloros,
e sai do
primeiro lance
Vereador
da Bahia,
que é
notável dignidade.
Já temos o
Canastreiro,
que inda
fede a seus beirames,
metamorfoses
da terra
transformado
em homem grande:
e eis aqui
a personagem.
Vem outro
do mesmo lote
tão pobre,
e tão miserável
vende os
retalhos, e tira
cornissão
com couro, e carne.
Co
principal se levanta,
e tudo
emprega no Iguape,
que um
engenho, e três fazendas
tem feito
homem grande;
e eis aqui
a personagem.
Dentre a
chusma e a canalha
da
marítima bagagem
fica às
vezes um cristão
que apenas
benzer-se sabe:
Fica em
terra resoluto
a entrar
na ordem mercante,
troca por côvado, e vara
timão,
balestilha, e mares.
Arma-lhe a
tenda um ricaço,
que a
terra chama Magnate
com pacto
de parceria,
que em
direito é sociedade:
Com isto a
Marinheiras
do
primeiro jacto, ou lance
bota fora
o cu breado,
as mãos
dissimula em guantes.
Vende o
cabedal alheio,
e dá com
ele em Levante,
vai, e
vem, e ao dar das contas
diminui, e
não reparte.
Prende
aqui, prende acolá,
nunca falta um bom Compadre,
que
entretenha o credor,
ou faça
esperar o Alcaide.
Passa um
ano, e outro ano,
esperando,
que ele pague,
que uns
lhe dão, para que junte,
e outros
mais, para que engane.
Nunca
paga, e sempre come,
e quer o
triste Mascate,
que em
fazer a sua estrela
o tenham
por homem grande.
O que ele
fez, foi furtar,
que isso
faz qualquer bribante,
tudo o mais
lhe fez a terra
sempre
propícia aos infames
e eis aqui
a personagem.
Vem um
Clérigo idiota,
desmaiado
com um jalde,
os vícios
com seu bioco,
com seu
rebuço as maldades:
Mais Santo do que Mafoma
na crença
dos seus Árabes,
Letrado
como um Matuto,
e velhaco
como um Frade;
ontem
simples sacerdote,
hoje uma
grã dignidade,
ontem
selvagem notório,
hoje
encoberto ignorante.
Ao tal
Beato fingido
é força,
que o povo aclame,
e os do
governo se obriguem,
pois
edifica a cidade.
Chovem
uns, e chovem outros
com ofícios,
e lugares,
e o Beato
tudo apanha
por sua
muita humildade.
Cresce em
dinheiro, e respeito,
vai
remetendo as fundagens,
compra
toda a sua terra,
com que
fica homem grande,
e eis aqui
a personagem.
Vêm outros
zotes de Réquiem,
que indo
tomar o caráter
todo o
Reino inteiro cruzam
sobre a
chanca viandante.
De uma
província para outra
como
Dromedários partem,
caminham
como camelos,
e comem
como selvagens:
Mariolas de missal,
lacaios
missa-cantante
sacerdotes
ao burlesco
ao sério
ganhões de altares.
Chega um
destes, toma amo,
que as
capelas dos Magnates
são
rendas, que Deus criou
para estes
Orate fratres.
Fazem-lhe
certo ordenado,
que é dinheiro na verdade,
que o Papa
reserva sempre
das ceias,
e dos jantares.
Não se
gasta, antes se embolsa,
porque o
Reverendo Padre
é do Santo
Nicomedes
meritíssimo
confrade;
e eis aqui
a personagem.
Vêem isto
os Filhos da terra,
e entre
tanta iniquidade
são tais,
que nem inda tomam
licença
para queixar-se.
Sempre
vêem, e sempre falam,
até que
Deus Ihes depare,
quem lhes
faça de justiça
esta
sátira à cidade.
Tão
queimada, e destruída
te vejas,
torpe cidade,
como
Sodoma, e Gomorra
duas
cidades infames.
Que eu
zombo dos teus vizinhos,
sejam
pequenos, ou grandes
gozos, que
por natureza
nunca
mordem, sempre latem.
Que eu
espero entre Paulistas
na divina
Majestade,
Que p ti
São Marçal te queime,
e São
Pedro assim me guarde.
Décimas
Toda a
cidade derrota
esta fome
universal,
uns dão a
culpa total
à Câmara,
outros à frota:
a frota
tudo abarrota
dentro nos
escotilhões
a carne, o
peixe, os feijões,
e se a
Câmara olha, e ri,
porque anda farta até aqui,
é cousa, que me não toca;
Ponto em
boca.
Se dizem,
que o Marinheiro
nos
precede a toda a Lei,
porque é
serviço d'El-Rei,
concedo,
que está primeiro:
mas tenho
por mais inteiro
o
conselho, que reparte
com igual
mão, igual arte
por todos,
jantar, e ceia:
mas frota
com tripa cheia,
e povo com
pança oca!
Ponto em
boca,
A fome me
tem já mudo,
que é muda
a boca esfaimada;
mas se a
frota não traz nada,"
por que
razão leva tudo?
que o Povo
por ser sisudo
largue o
ouro, e largue a prata
a uma
frota patarata,
que
entrando co'a vela cheia,
o lastro
que traz de areia,
por lastro
de açúcar troca!
Ponto
em boca.
Se quando
vem para cá,
nenhum
frete vem ganhar,
quando
para lá tornar,
o mesmo
não ganhará;
quem o
açúcar lhe dá,
perde a
caixa, e paga o frete,
porque o
ano não promete
mais
negócio, que perder
o frete,
por se dever,
a caixa,
porque se choca:
Ponto em
boca.
Entretanto
eu sem abrigo,
e o povo
todo faminto
ele chora,
e eu não minto,
se
chorando vo-lo digo:
tem-me
cortado o umbigo
este nosso
General,
por isso
de tanto mal
lhe não
ponho alguma culpa;
mas se
merece desculpa
o respeito, a que provoca,
Ponto em
boca.
Com
justiça pois me torno
à Câmara
Nó Senhora,
que pois
me trespassa agora,
agora leve
o retorno:
preza a
Deus, que o caldo morno
que a mim
me fazem cear
da má vaca
do jantar
por falta
do bom pescado
lhe seja
em cristais lançado;
mas se a
saúde 1hes toca:
Ponto
em boca.
Décimas
Uma cidade
tão nobre,
uma gente
tão honrada
veja-se um
dia louvada
desde o
mais rico ao mais pobre:
cada
pessoa o seu cobre,
mas se o
diabo me atiça,
que indo a
fazer-lhe justiça,
algum saia
a justiçar,
'não me
poderão negar,
que por
direito, e por Lei
esta é a
justiça, que manda El-Rei.
O Fidalgo
de solar
se dá por
envergonhado
de um
tostão pedir prestado
para o
ventre sustentar:
diz, que
antes o quer furtar
por manter
a negra honra,
que passar
pela desonra,
de que Ihe
neguem talvez;
mas se o
virdes nas galés
com honras
de Vice-Rei,
esta é a
justiça, que manda El-Rei.
A Donzela
embiocada
mal
trajada, e mal comida,
antes quer
na sua vida
ter saia,
que ser honrada:
à pública
amancebada
por manter
a negra honrinha,
e se lho
sabe a vizinha,
e lho ouve
a clerezia
dão com
ela na enxovia,
e paga a pena da lei;
esta é a
justiça, que manda El-Rei.
A casada
com adorno,
e o
Marido mal vestido,
crede, que
este tal Marido
penteia
monho de corno:
se disser
pelo contorno,
que se
sofre a Fr. Tomás,
por manter
a honra o faz,
esperai
pela pancada,
que com
carocha pintada
de Angola
há de ser Visrei:
esta é a
justiça, que manda El-Rei.
Os
Letrados Peralvilhos
citando o
mesmo Doutor
a fazer de
Réu, o Autor
comem de
ambos os carrilhos:
se diz
pelos corrilhos
sua
prevaricação,
a
desculpa, que lhe dão,
é a honra
de seus parentes,
e entonces
os requerentes,
fogem
desta infame grei:
esta é a
justiça, que manda El-Rei.
O Clérigo
julgador,
que as
causas julga sem pejo,
não
reparando, que eu vejo,
que erra a
Lei, e erra o Doutor:
quando
vêem de Monsenhor
a Sentença
Revogada
por saber,
que foi comprada
pelo
jimbo, ou pelo abraço,
responde o
Juiz madraço,
minha
honra é minha Lei:
esta é a
justiça, que manda El-Rei.
O Mercador
avarento,
quando a
sua compra estende,
no que
compra, e no que vende,
tira
duzentos por cento:
não é ele
tão jumento,
que não
saiba, que em Lisboa
se lhe há
de dar na gamboa;
mas comido
já o dinheiro
diz, que a
honra está primeiro,
e que
honrado a toda Lei:
esta
é a justiça, que manda El-Rei.
A viúva
autorizada,
que não
possui um vintém,
porque o
Marido de bem
deixou a
casa empenhada:
ali vai a
fradalhada,
qual
formiga em correição,
dizendo,
que à casa vão
manter a
honra da casa,
se a
virdes arder em brasa,
que ardeu
a honra entendeis:
esta é a
justiça, que manda El-Rei.
O Adônis
da manhã,
o Cupido
em todo o dia,
que anda
correndo a Coxia
com
recadinhos da Irmã:
e se 1he
cortam a 1ã,
diz, que
anda naquele andar
por a
honra conservar
bem
tratado, e bem vestido,
eu o verei
tão despido,
que até as
costas lhe verei;
esta é a
justiça, que manda El-Rei.
Se virdes
um Dom Abade
sobre o
púlpito cioso,
não lhe
chameis Religioso,
chamai-lhe
embora de Frade:
e se o tal
Paternidade
rouba as
rendas do Convento
para
acudir ao sustento
da puta,
como da peita,
com que
livra da suspeita
do Geral
do Viso-Rei:
esta
é a justiça, que manda El-Rei.
Romance
Deste
castigo fatal,
que outro
não vemos, que iguale,
serei
Mercúrio das penas,
e
Coronista dos males.
Tome esta
notícia a Fama,
para que
voe, e não pare,
e com
lamentáveis ecos
soe numa,
e noutra parte.
Ano de
mil, e seis centos
oitenta e
seis, se contar-se
pode
por admiração,
escutem os
circunstantes.
Chegou a
morte à Bahia,
não
cuidando, que chegasse,
aqueles,
que não temiam
seus
golpes por singulares.
Representou-nos
batalha
com
rebuços no disfarce,
facilitando
a peleja
para
segurar o saque.
Mas
tocando a degolar
levou tudo
a ferro, e sangue
divertindo
a medicina
com variar
os achaques.
Fez
estrago tão violento
em
discretos, ignorantes,
em pobres,
ricos, soberbos,
que nenhum
pode queixar-se.
Ao
discreto não valeram
seus
conceitos elegantes,
nem ao
néscio o ignorar,
que
ofensas hão de pagar-se.
Ao rico
não reparou
de seu
poder a vantagem,
nem ao
soberbo o temido,
nem ao
pobre o humilhar-se.
Ao galante
o ser vistoso,
nem ao
polido o brilhante,
nem ao
rústico descuidos,
de que a
vida há de acabar-se.
E se algum
quis de manhã
rosa
brilhante ostentar-se,
chegava a
morte, e se via
funesta
pompa de tarde.
Emudeceu
as folias,
trocou em
lamento os bailes,
cobriu as
galas de luto,
encheu de
pranto os lugares.
Foi tudo
castigo em todos
por esta,
e aquela parte,
se aos
pobres faltou remédio,
aos ricos
sobraram males.
Para o
sexo feminino
veio a
morte de passagem,
deixando-lhe,
no que via
exemplo
para emendar-se.
Nos
inocentes de culpa
foi a
morte relevante,
que tanto
a inocência livra,
quanto
condena o culpável. Pela
caterva Etiópia
passou
tocando rebate,
mas
corpos, que pagam culpas,
não é bem,
que à vida faltem.
Já se via
pelas ruas
de porta
em porta chegar-se
um devoto
Teatino
intimando
a confessar-se.
Quem para
a morte deixara
negócio
tão importante,
porque as
lembranças da vida
negam da
morte o lembrar-se.
Os
campanários se ouviam
uma hora
em outra dobrarem,
despertadores
da morte,
porque aos
vivos lhe lembrasse.
Fez abrir
nos cemitérios
em um dia
a cada instante
para
receber de corpos,
o que
tinham de lugares.
Foi
tragédia lastimosa,
em que
pode ponderar-se,
que a
terra sobrando a muitos,
se viu
ali, que faltasse.
Os que
nela não cabiam,
quando
vivos, hoje cabem
numa
sepultura a três,
quero
dizer a três pares.
Viam-se as
enfermarias
de corpos
tão abundantes,
que
sobrava a diligência,
para que a
todos chegassem.
O remédio
para as vidas
era impossível
achar-se,
porque o
número crescia
cada
minuto, e instante.
Titubeava
Galeno
com a
implicância dos males,
porque o
tributo das vidas,
mandava
Deus, que pagassem.
O
Senhor Marquês das Minas,
que Deus
muitos anos guarde,
zeloso
como cristão,
liberal
como Alexandre;
Preveniu
para a saúde,
Para que
em tudo acertasse,
dividirem-se
os enfermos
por
casas particulares.
Este zelo
foi motivo,
de que
todos por vontade
(digo os
possantes) mostraram,
serem
próximos amantes.
Havia um
novo hospital,
onde se
admirou notável
o zelo de
uma Senhora
Dona
Francisca de Sande:
Mostrando
como enfermeira
o desvelo
em toda a parte,
e
administrando a mezinha,
a quem
devia de dar-se.
Consolando
a quem gemia,
animando
os circunstantes,
tolerando
o sentimento
de que
assim não acertasse.
Não
reparando nos gastos
da
fazenda, que eram grandes,
porque só
quis reparar
vidas, por
mais importantes.
O Marquês
como Senhor
quis em
tudo avantajar-se,
abrindo
para a pobreza
os
tesouros da vontade.
Repartia
pelos pobres
esmolas
tão importantes,
que o seu
zelo nos mostrava
querer,
que nada faltasse.
Publicando
geralmente,
que a ele
os pobres chegassem,
porque ao
remédio de todos
sua
Excelência não falte.
Mas
se estava Deus queixoso,
que muito
passasse avante
este
castigo de culpas,
mais que
inclemência dos ares.
Finalmente
que a Bahia
chegou a
extremo tão grande,
que aos
viventes parecia
querer o
mundo acabar-se.
Punha a
morte cerco às vidas
tão cruel,
e exorbitante,
que em
três meses sepultou
da Bahia a
maior parte.
Ah Bahia!
bem puderas
de hoje em
diante emendar-te,
pois em ti
assiste a causa
de Deus
assim castigar-te.
Mostra-se
Deus ofendido, nós sem desculpa que dar-lhe; emendemos nossos
erros, que Deus porá termo aos males.
*soneto
Por entre
o Beberibe, e o Oceano
Em uma
areia sáfia, e lagariça
Jaz o
Recife povoação mestiça,
Que o
Belga edificou ímpio tirano.
O Povo é
pouco, e muito pouco urbano,
Que vive à
mercê de uma lingüiça,
Unha de
velha insípida enfermiça,
E camarões
de charco em todo o ano.
As Damas
cortesãs, e por rasgadas
Olhas
podridas, são, e pestilências,
Elas com
purgações, nunca purgadas.
FIM
Copiado
de: Domínio Publico - www.nead.unama.br
Acessado
em 12/11/2013 e Atualizado em 04/10/23.
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